sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Google, China e Estados Unidos num imbróglio de nossos tempos

O caso envolvendo o ataque cibernético ao Google na China resume bem o estado de coisas do mundo contemporâneo. A disputa entre o Estado chinês e um gigante privado da internet mostra o quanto oriente e ocidente chegaram a um denominador comum ao menos no que concerne o foco de boa parte das discordâncias: informação é o maior valor. Quanto a isso, todos parecem concordar.

O fato coloca de lados opostos uma relação que já começou complicada há cinco anos. Ao acatar algumas das modificações propostas por Beijing em relação aos resultados das buscas que seriam apresentados aos internautas locais, o Google pensou como empresa. Mesmo tendo enfrentado grandes debates internos, como foi divulgado na época, os executivos pesaram a relação custo-benefício e chegaram à conclusão de que valia a pena perder parte do capital de simpatia dos usuários em nome do capital propriamente dito.

Foi uma escolha que arranhou pouco a imagem da empresa. Mas, esta semana, ao decidir expor os ataques sofridos e reclamar com as autoridades chinesas, o Google também pensou como empresa. Mas conseguiu com que parte da opinião pública pensasse que os executivos pensaram com o coração, a mente ou qualquer outro sinal de idealismo. A decisão também foi pensada, a relação custo-benefício igualmente analisada e a conclusão foi a brilhante ideia de jogar no ventilador o ataque. O fato acabou se tornando um tremendo case de reversão de crise.
Os chineses democráticos estão depositando flores na sede da empresa em Beijing implorando para que o Google não cumpra a ameaça de deixar o país, caso as autoridades não esclareçam o ocorrido. O ponto é que a disputa coloca, além do Google, o próprio governo americano em choque com a República Popular. E tudo o que os EUA querem é evitar um choque com os chineses. Pelo menos neste momento.
Curiosamente, Washington teve de se pronunciar sobre o ocorrido. Afinal, o Google é um dos ativos mais bem-sucedidos dos Estados Unidos no mundo digital. Não apenas isso. É também uma empresa que conta com a simpatia e admiração de cidadãos de todo o planeta. Mas o problema pode ser ainda mais complicado. Reportagem publicada no Washington Post informa que o ataque seria um caso de espionagem corporativa e política cujos objetivos iriam além de simplesmente invadir as contas de email de ativistas de direitos humanos (esta é a versão apresentada pelo Google até agora): segundo o jornal, a meta seria invadir as redes de empresas de tecnologia, pesquisa e armamento nos EUA.
Ou seja, a disputa entre Google e China pode ficar marcada como o pontapé inicial do conflito entre duas das maiores economias do mundo. E não faltariam justificativas para represálias comerciais americanas.
"Ela (a disputa entre Google e China) toca em alguns dos temas mais sensíveis das relações sino-americanas: direitos humanos e censura, comércio, propriedade intelectual e acesso a tecnologias militares high-tech", diz editorial do Washington Post.
Eu acrescento ainda mais um dado interessante: acho que vale lembrar que Obama chegou à presidência dos EUA graças em grande parte a uma bem-sucedida campanha eleitoral usando todo tipo de ferramenta da internet. Será que ele vai reagir levando em consideração a própria relação pessoal com os ideais democráticos da rede ou vai se esquecer disso em nome do pragmatismo que seu cargo muitas vezes exige?

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