quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Nada é tão óbvio quanto parece nas Falklands-Malvinas

A retomada da polêmica sobre as ilhas Falklands-Malvinas é curiosa. Mais oportunista do que curiosa. Em primeiro lugar, é preciso dizer que há muitos equívocos nas declarações e alguns pontos muito interessantes de reflexão. Não acho que este seja o assunto mais importante a ser discutido pelos países latino-americanos, como ocorreu na reunião do Grupo do Rio no México, mas o fato é que tudo acabou girando em torno desta questão. Afinal, nada como ressucitar a oposição entre primeiro e terceiro mundos - como se este não fosse um dilema mais velho do que o século vinte.

Seja como for, além dos líderes latino-americanos, essa briga acabou caindo nas graças da imprensa britânica. À parte da BBC, os outros veículos têm exagerado na defesa venal da soberania do Reino Unido. Dizer que a ilha só foi lembrada por conta do interesse de perfurar petróleo é lugar-comum, mas faz um pouco de sentido neste caso.
O que, no entanto, não faz o menor sentido é o "esquecimento" de que para explorar os recursos das Falklands-Malvinas a Grã-Bretanha precisa de consentimento por parte da Argentina. E isso não é bravata, mas consta dos acordos mediados pela ONU entre os dois países quando eles restabeleceram os laços diplomáticos, em 1990. Pouca gente tem lembrado de algo tão importante neste momento de escalada das declarações. Aliás, principalmente a imprensa britânica, que decidiu comprar o discurso oficial.
Acho que há um tanto de oportunismo envolvendo esta situação. O presidente venezuelano atropelou a própria colega argentina ao anunciar estar disposto a enviar tropas no caso de uma guerra. Não haverá conflito, como tem repetido a presidente Cristina Kirchner. A questão será colocada em pauta pelo ministro das Relações Exteriores, Jorge Taiana, durante conversa com o secretário geral da ONU, Ban Ki-moon. E aí sim as discussões vão começar.
Os países latino-americanos fecharam com Kirchner, algo previsível. Mas alguns argumentos muito fracos foram usados para defender esta posição. Mesmo Lula derrapou ao afirmar não entender como "um país a mais de 14 mil quilômetros tinha diretos sobre uma ilha ao lado da Argentina".
Este não é o ponto. Estados não são entidades naturais, mas políticas. E, como tal, são construções absolutamente artificiais. Da mesma forma que as fronteiras brasileiras foram criadas por acordos políticos e comerciais, não é natural que um país tenha soberania sobre um território simplesmente porque fica mais perto dele. Se fosse assim, a Groenlândia não seria território dinamarquês, o Havaí, americano ou a Ilha de Páscoa, chilena.
Lula manteve esta posição e aproveitou para questionar a legitimidade do Conselho de Segurança da ONU. Sempre escrevo - e não é segredo pra ninguém - que o objetivo internacional brasileiro é conseguir vaga permanente no órgão. Por isso, Brasília não perde a oportunidade de reafirmar que o Conselho precisa ser modificado para realmente se tornar representantivo. Lula disse isso textualmente ontem.

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