terça-feira, 31 de agosto de 2010

Perseguição aos ciganos pode sinalizar mudança no tratamento destinado aos imigrantes na França

A expulsão dos ciganos pela França expõe, na verdade, uma prática comum a boa parte dos países europeus. O foco atual está em Nicolas Sarkozy porque o presidente francês decidiu fazer da deportação sistemática do grupo bandeira de seu governo. Aliás, como já escrevi outras vezes, a União Europeia parece estar estacionada no mundo do século 20. O exemplo de perseguição remete ao mais trágico episódio da humanidade.

Assim como no Holocausto, a caça promovida nos dias atuais é injustificada. Os argumentos de Paris seriam risíveis, se não fossem trágicos. Por exemplo, quando o governo francês denuncia a falta de higiene dos acampamentos, esquece de mencionar os motivos por trás da ausência de estrutura digna. Lei nacional estabelece como obrigação de cidades com mais de 5 mil habitantes fornecer eletricidade, rede de esgoto e água para os acampamentos. Mas a determinação é ignorada pelas autoridades locais.

É preciso deixar claro que Sarkozy age em benefício próprio. Com a popularidade em baixa, as medidas restritivas aos ciganos ajudaram a melhorar a percepção sobre seu governo. Antes de determinar as expulsões, a aprovação do presidente estava em 34%. Agora, está em 36%. Os muito insatisfeitos caíram de 66% para 64%.

Dá para concluir que não é possível culpar apenas as autoridades. Principalmente quando se leva em consideração que dois terços dos franceses aprovam as medidas.

Além da desumanidade envolvida, o gesto também desrespeita a legislação europeia. Como a maior parte dos ciganos possui cidadania romena ou búlgara – países que entraram para a UE em 1 de janeiro de 2007 –, eles não poderiam ser impedidos de circular pelos demais Estados-membros do bloco. Paris argumenta que, por conta da adesão recente, búlgaros e romenos só poderiam usufruir da cláusula de livre movimentação a partir de 2014.

O que pouca gente se recorda é que a Comissão Europeia - órgão executivo do bloco - criou um fundo de 22 bilhões de dólares para ser usado na melhoria das condições de vida dos ciganos. O dinheiro permanece intocado, mesmo neste momento de dificuldades.

Editorial do Washington Post lembra um ponto importante. A guinada de Sarkozy pode marcar o início de um processo de mudança interna na França. Ao eleger os ciganos como os culpados pela criminalidade nacional, o governo pode também sinalizar uma nova abordagem em relação aos milhões de imigrantes que vivem no país.

Até o momento, a lei determina que crianças nascidas em território francês devem receber cidadania automaticamente. O ministro do Interior, Brice Hortefeux, pretende mudar isso, por ora em casos onde os pais tenham sido condenados criminalmente por ataques a policiais ou bombeiros. Se isso de fato vier a acontecer, a França poderá assistir a uma perigosa onda de caça aos imigrantes. Não se sabe como os seis milhões de franceses de origem árabe, por exemplo, poderiam reagir diante deste novo posicionamento oficial.

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