terça-feira, 14 de setembro de 2010

Microsoft corre para apagar incêndio causado pelo governo russo

Não são raros os casos envolvendo a troca de favores entre empresas privadas e autoridades governamentais. Quando se trata de acesso a grandes mercados controlados por governos autoritários, a parceria costuma ser bastante frutífera. Não custa lembrar como a top of mind dos mecanismos de buscas acabou cedendo para poder se estabelecer na China. Adiantou muito pouco; a empresa ainda é lembrada pelo caso e hoje ocupa apenas o terceiro posto na preferência dos chineses.

O fato agora é um pouco diferente, mas não deixa de evidenciar algumas semelhanças. O governo da Rússia abusou do direito de capturar computadores de advogados, jornalistas descontentes com o regime de Putin-Medvedev e organizações não governamentais com posições contrárias ao Kremlin. A desculpa é ótima, do ponto de vista do senso de humor: todas as máquinas foram apreendidas por não possuírem as licenças oficiais dos produtos da Microsoft.

Pressionada e já deveras escolada pelos prejuízos de imagem sofridos pela concorrente, a empresa de Bill Gates decidiu tomar a iniciativa. Brad Smith, vice-presidente e conselheiro-geral, avisou que a Microsoft não concorda com as ações empreendidas por Moscou na medida em que elas apresentam um viés claramente político. Ou seja, jogou no ventilador as motivações antidemocráticas em jogo e, assim, conseguiu, ao menos por ora, evitar maiores estragos. Para completar, anunciou que os grupos independentes que têm sofrido as perseguições passarão a contar com licenças gratuitas, cortando pela raiz o principal argumento que levou à apreensão dos computadores.

O episódio se encerra de maneira distinta ao anterior: enquanto o líder das buscas baixou a cabeça e se tornou peça na engrenagem do jogo político internacional da China, a Microsoft optou por não aceitar se submeter às diretrizes deste governo russo cujo respeito aos direitos individuais e oposição são bastante questionáveis.

Num novo mundo onde empresas privadas são muitas vezes mais ricas e importantes que governos, cabe a elas também eleger seus princípios de política externa. Por falar nisso, as relações entre atores públicos e privados ainda não estão totalmente acomodadas. Ou seja, há episódios recentes que mostram a ausência de esclarecimento definitivo quanto aos papéis a serem exercidos. Vale lembrar os exemplos da Blackwater no Iraque e da BP no desastre ambiental no Golfo do México. O imbróglio entre Google e China ganhou um capítulo ainda mais interessante nesta semana.

A organização sem fins lucrativos Electronic Privacy Information Center entrou com uma ação apoiada na lei de liberdade de informação americana exigindo a liberação dos documentos relacionados a eventuais acordos entre o Google e a National Security Agency (Agência de Segurança Nacional). Tudo teria começado em janeiro, quando a empresa anunciou ter sofrido ataques cibernéticos chineses. No mês seguinte, veículos de imprensa passaram a relatar os contatos com a NSA, agência de espionagem responsável por defender as instituições militares americanas de invasões virtuais. Mas, como o Google é uma empresa privada, ficou estranho para todos os envolvidos.

Se desde o começo os executivos da companhia não tivessem cedido às exigências de censura do governo chinês, muito possivelmente uma boa parte de todo este constrangimento poderia ter sido evitada. Como a percepção vale mais do que a intenção, ponto para a Microsoft, que agiu de forma mais coerente com os princípios que diz defender.

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