segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Resultado de referendo na Turquia acrescenta ainda mais elementos à complexidade geopolítica

O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, foi vaiado por parte da torcida presente ao ginásio em Istambul, no domingo à noite. Em quadra, os 12 Gigantes - como são chamados os jogadores de basquete da seleção da Turquia - foram derrotados pelos EUA na final do campeonato mundial masculino. Mas o líder político do país dormiu bem. E pôde acordar muito feliz. Quase 58% dos eleitores apoiaram seu projeto de reforma constitucional. Restou a Barack Obama, vitorioso na quadra, mas receoso quanto aos planos do partido AKP (Justiça e Desenvolvimento), enaltecer a vibrante democracia do país – que, de forma impressionante, levou 77% dos turcos às urnas.

O referendo é polêmico por alguns motivos: o principal deles é a mudança que tira dos juízes a indicação de novos nomes para o sistema Judiciário. Agora, a partir da vitória do "sim", o presidente e o parlamento passam a participar deste processo. A controvérsia seria pouco relevante se o Judiciário e os militares do país não estivessem numa posição contrária ao governo.

Há acusações de todas as partes: as forças armadas e os principais juízes apontam Erdogan e seu partido como arquitetos de um plano maior de introduzir o islamismo nas decisões políticas – algo que mudaria por completo a natureza laica do Estado turco moderno fundado por Mustafa Kemal Ataturk, em 1923. Do ponto de vista do atual primeiro-ministro, sobra desconfiança. A cúpula de seu governo acusa juízes e militares de planejar mais um golpe contra um líder democraticamente eleito – foram quatro nos últimos 50 anos.

Este ponto, por sinal, era uma das principais preocupações da Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia que avalia a candidatura turca ao bloco. Agora, com o referendo aprovado, um dos maiores impedimentos à adesão de Ancara cai por terra. Como a constituição em vigor for forjada sob lei marcial, há 30 anos, a carta previa que oficiais das forças armadas usufruíssem de imunidade jurídica. Com a vitória do "sim", tal benefício passa a ser revogado, e as instituições civis exercerão um controle maior sobre os militares – pré-requisito considerado importantíssimo pelos demais países-membros da UE.

A aprovação das 26 mudanças constitucionais pode ser interpretada como uma vitória pessoal de Erdogan e do AKP. E possivelmente abre ainda mais o caminho rumo ao terceiro mandato do primeiro-ministro (as eleições parlamentares serão realizadas no ano que vem). Os EUA e seus aliados não concordam com as recentes decisões externas do atual governo de Ancara, que vem se aproximando de Irã e Síria e se distanciando de Israel, dos americanos e dos Estados sunitas moderados do Oriente Médio.


O curioso disso tudo é notar que as reformas propostas por Erdogan acabam por lhe abrir as portas da UE. Até porque, há muitas outras mudanças incluídas neste pacote, como maior respeito aos direitos individuais, promoção de igualdade entre os gêneros, direitos infantis, de idosos e deficientes, além do fortalecimento dos sindicatos. Se de fato a Turquia aderir à UE, será interessante analisar a movimentação de um grande país islâmico, cada vez mais aliado ao eixo xiita, interagindo politicamente com os demais Estados europeus, laicos e próximos aos EUA.

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