quarta-feira, 27 de abril de 2011

EUA pegam leve com a Síria e pagam com exposição internacional

Até pouco tempo havia a impressão de que a situação na Síria era contornável. Manifestantes acompanharam a tendência regional e saíram às ruas para exigir reformas, o presidente sírio foi duro e conseguiu se manter no poder graças a seus velhos aliados políticos, 30 pessoas foram mortas. Essa escalada de acontecimentos não garantia de nenhuma maneira o fim do caos, mas dava a impressão de que discurso e prática institucional desmotivariam um pouco a população insatisfeita. Isso não aconteceu. E a situação na Síria se transformou num problema não apenas de Bashar al-Assad mas também das potências ocidentais.

Os focos de manifestação se multiplicaram. O número de mortos está na casa dos 400. Todos esses elementos ressaltam a grande contradição internacional. Quem se lembra da reação da secretária Hillary Clinton na primeira vez em que os EUA se posicionaram oficialmente sobre a crise síria? Pois é, a principal autoridade de política externa da maior potência do planeta classificou Assad como “reformista”. Ou seja, para ser bastante objetivo, cada nova morte provocada pela repressão de Damasco, cada nova imagem divulgada de tanques do exército partindo para cima dos manifestantes simplesmente ressalta a declaração de Hillary Clinton.

Já escrevi inúmeras vezes que a política é marcada por incoerência. Até porque o realismo dos países muitas vezes determina suas escolhas. O problema é que, por mais que seja claro que este exercício de articulação está na raiz das decisões, ninguém quer ser exposto desta forma. Mas vale mencionar também que o temor americano em pôr mais fogo na situação síria tem lá seus motivos; Damasco é uma peça estratégica no tabuleiro de alianças regionais do Oriente Médio. E a Casa Branca estava empenhada em forjar laços com Assad para impedir que ele se aproximasse ainda mais de Mahmoud Ahmadinejad. Como sinais de relaxamento, valiosas ofertas americanas: a reabertura da embaixada dos EUA na capital síria e, muito importante, a decisão de Obama de suspender a oposição à participação de Damasco na Organização Mundial do Comércio (OMC) no ano passado (o país árabe passou de excluído a observador).

Para completar, é preciso comparar as reações de Washington aos distintos movimentos populares. No caso egípcio, após o silêncio inicial, os EUA pediram que o então aliado Hosni Mubarak deixasse o cargo. Na Líbia, lideraram a articulação política que culminou na ofensiva ainda em curso; em Bahrein, Arábia Saudita e Iêmen, mostraram pouco entusiasmo a apoiar as reivindicações por conta das alianças estratégicas que mantêm com os governantes locais. A Síria é o único caso de um Estado hostil, mas onde, mesmo assim, a onda de oposição não mereceu franco apoio americano.

Para se ter ideia do cuidado de Washington ao lidar com esta situação específica, vale dizer que, mesmo com o aumento da violência e do número de mortos, o tom dos comunicados oficiais continua comedido: “Convocamos o presidente Assad a mudar de curso agora e atender aos pedidos de seu próprio povo”. Diante do apego ao realismo político, a opção por tal delicadeza não chega a surpreender. Mas é difícil justificar tal diretriz, principalmente quando comparada a eventos semelhantes, mas que mereceram tratamento muito mais enérgico.

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