sexta-feira, 20 de maio de 2011

Processo de paz no Oriente Médio: uma análise menos óbvia sobre as palavras de Obama

A imprensa mundial optou pelo caminho óbvio ao analisar o discurso de Obama sobre os acontecimentos recentes do Oriente Médio. Esta obviedade é representada pela fixação internacional no conflito palestino-israelense. É uma pena. O presidente americano abordou tantos assuntos importantes e interessantes que insistir no mais do mesmo é sintoma da falta de criatividade ou, ainda pior, revela a completa e voluntária incapacidade de interpretar todo o resto. Optei por não seguir a maioria e escrevi o texto desta quinta-feira com a certeza de que havia muito mais a considerar.

No entanto, a curiosidade generalizada e as muitas dúvidas, repercussões e equívocos em torno da abordagem de Obama sobre o conflito me obrigam a retomar o tema. Seria ingenuidade de minha parte ignorar o momento geopolítico. Como escrevi ao longo desta semana, há clara tentativa de retorno ao cotidiano anterior às manifestações populares árabes. E essa rotina sempre destacou o protagonismo do conflito palestino-israelense.

Após o discurso desta quinta-feira surgiu um clima de surpresa pela verbalização da defesa da instituição das fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias, em 1967, como base de um acordo de paz definitivo. É inexplicável a confusão provocada pelas palavras de Obama. Pode ter sido a primeira vez que um presidente americano se expressou com tal clareza, pode ter sido também a primeira vez que o assunto foi exposto assim de forma tão pragmática e direta, mas o estabelecimento de fronteiras definitivas entre Israel e o futuro Estado palestino ao longo das linhas anteriores a 1967 está longe de ser novidade. Não levar isso em consideração transparece uma amnésia quanto a posturas de diferentes presidentes dos EUA desde os anos 1990.

Para quem não se lembra, em 1993, o então primeiro-ministro israelense Itzhak Rabin e o líder palestino Iasser Arafat assinaram os chamados Acordos de Oslo – que contaram com a mediação do ex-presidente americano Bill Clinton. A cena histórica do aperto de mão nos jardins de Camp David dava início a medidas práticas importantes: a criação da Autoridade Palestina (AP), organismo que passava a legítima representante das posições e interesses palestinos. A AP passava a responder por negociações que pretendiam, finalmente, criar um Estado palestino no território que ela formalmente controlaria a partir de então. E adivinhem qual era este território? Justamente Gaza e Cisjordânia. Ambos ainda eram – e no caso da Cisjordânia isto ainda é uma realidade – ocupados por Israel. Porque ambos foram conquistados pelo Estado judeu após a Guerra dos Seis Dias, em 1967.

Há reações negativas sobre o discurso. A mais óbvia, a do Hamas, condena as palavras do presidente americano simplesmente porque a organização sequer reconhece o direito de Israel existir. Isso é tão fora de propósito que não vale nem a pena se estender sobre o assunto. Israel existe e ponto. Não há nada a fazer sobre isso e este tipo de reação apenas serve para reforçar a intransigência (o termo menos inapropriado a ser usado) representada pelo grupo.

Do ponto de vista israelense, o assunto rende mais complexidades. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não esperava que Obama definisse explicitamente as linhas anteriores à guerra de 1967 como as fronteiras entre os dois territórios. A insatisfação de Bibi é fácil de ser explicada. Como há cerca de 400 mil judeus em assentamentos na Cisjordânia, retirá-los de lá e realocá-los em Israel seria um problema para o primeiro-ministro de Israel. Um grande problema. Mas não apenas por questões ideológicas, longe disso. O sistema político de Israel exige maioria no parlamento. Como os partidos que apoiam Netanyahu são justamente favoráveis à manutenção dos assentamentos, a sustentação de seu gabinete gira em torno disso também. Basta que Bibi aceite a proposta de Obama para perder o cargo de primeiro-ministro. Na prática, Obama colocou uma bomba-relógio no colo do israelense.

Há rumores confiáveis que dão conta de que o presidente americano não tem lá muito apreço pelo aliado israelense. Ontem mesmo reportagem noturna do New York Times informava que assessores de Obama comentam que ele considera Netanyahu alguém incapaz de alcançar a paz. Na prática, no entanto, ambos se completam em seus propósitos políticos, de certa maneira.

Obama precisa recuperar a influência entre os países árabes. Nada melhor do que entrar em choque com Israel. Um choque moderado, claro. Benjamin Netanyahu precisa se opor a Obama para justificar sua aliança política doméstica. O problema é que este tipo de estratégia tem prazo de validade. No caso do americano, ele certamente gostaria de apresentar avanços no processo de paz. Afinal de contas, esta é uma expectativa mundial depositada sobre o presidente que supostamente representa a “mudança”.

Nada melhor que, após o assassinato de Bin Laden, ter como trunfo algo de concreto a apresentar durante a campanha presidencial em que busca a reeleição (mesmo que este seja um assunto menos caro ao eleitorado dos EUA). E Benjamin Netanyhau está em péssima situação: o relógio está correndo e os palestinos têm o tempo a seu lado. Em setembro, pretendem declarar independência unilateralmente. E, se esta iniciativa de fato ganhar apoio internacional – e meu palpite é que isso deve acontecer –, Bibi (e qualquer outro que o suceda no cargo, para ser bem sincero) terá muita dificuldade de retomar qualquer negociação de paz (este é assunto para um texto posterior mais aprofundado).

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