quinta-feira, 2 de junho de 2011

Iêmen: a guerra de todos contra todos

A situação no Iêmen chegou a um ponto catastrófico. Na terça-feira, escrevi sobre o impasse que tomou conta do país. Agora, o caos está definitivamente instalado e as perspectivas são as piores possíveis. A dinâmica da Primavera Árabe apreendida pelo Ocidente dava conta de manifestantes em busca da derrubada de ditadores. No caso específico dos conflitos iemenitas, a lógica é bem mais complexa. Fatalmente complexa.

Já se fala em dezenas de mortos desde o colapso da trégua entre forças de segurança e exércitos tribais. Um professor de ciências políticas da Universidade de Sana’a disse hoje ao Wall Street Journal que os cidadãos do país assistem a episódios de violência ainda mais graves que os registrados durante a guerra civil do final dos anos 1960. Na verdade, os ventos da Primavera Árabe acabaram por tomar outros rumos por lá. No lugar das reivindicações populares, o impasse deste momento gira em torno da disputa pelo poder travada entre distintos grupos.

De um lado, a já conhecida insistência do presidente Ali Abdullah Saleh de permanecer no cargo. Não apenas a população é contrária a ele, mas também setores com seus próprios interesses – e que não necessariamente buscam democracia, liberdade de imprensa, eleições justas etc. De um lado estão os combatentes da confederação tribal Hashid. De outro, o general desertor Ali Mohsen al-Ahmar, que comanda um exército bem armado de 40 mil soldados (dez mil homens a menos que o próprio exército nacional iemenita, do presidente Saleh).

Se já não bastasse esta confusão toda, Ahmar se aliou à confederação Hashid. Enquanto isso, há uma grande desarticulação de discurso e ninguém mais sabe onde foram parar as demandas originais. O partido islâmico Islah acabou ganhando mais força e recebeu o apoio de outros seis partidos de oposição. Há de tudo um pouco nesta coalizão: estudantes, militantes de esquerda, liberais, grupos religiosos moderados e radicais. No caso específico dos religiosos, os mais extremistas enxergam como liderança o xeque Abdul-Majeed al-Zindani, suposto fundador da al-Qaeda e reconhecidamente guia espiritual de ninguém menos que o próprio Osama Bin Laden.

Na capital Sana’a, os prédios públicos foram invadidos por homens armados da confederação Hashid, e o aeroporto está fechado. Os EUA que apoiavam Saleh decidiram repetir a estratégia adotada no Egito. Por mais contraditório que seja, o governo americano decidiu pular fora. A secretária de Estado, Hillary Clinton, declarou que a violência só irá terminar quando o presidente deixar o país. Acho que nem isso vai amenizar a situação do Iêmen. Certamente, mesmo com a saída de Saleh, a disputa pelo poder vai continuar. A diferença é que um dos aspirantes terá deixado o jogo, só isso.

Como Saleh não é bobo nem nada, pôs nas ruas tropas fundadas e treinadas pelos EUA para combater as forças do general Ahmar. Quanto mais envolvido o governo americano estiver, menos chances de o país ser abandonado à própria sorte. E certamente o presidente Saleh não faz isso devido a alguma preocupação com os cidadãos de seu país, mas porque quer ter alguma moeda de troca a oferecer ao Ocidente.

E a posição dos governos internacionais é conhecida. Todos temem que o Iêmen se transforme num Estado falido, termo usado ultimamente para se referir a países em colapso, sem instituições e tomados por guerras civis. A Somália, por exemplo, ou o Afeganistão antes da invasão americana de 2001. A preocupação com o Iêmen tem muitas razões: a proximidade com a Arábia Saudita, maior produtor de petróleo, e a localização estratégica do país – que tem acesso ao Golfo de Áden ao Mar da Arábia e ao Mar Vermelho, rotas importantes da exportação de petróleo.

A questão, no entanto, é saber que o Iêmen é um país falido há muito tempo. De seus 23 milhões de habitantes, 40% vivem com menos de dois dólares por dia. Se isso já não fosse suficiente, o país sofre com a crise de refugiados somalis e, agora, com a falta de comida e gás.

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