quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Morre Kadafi. Nasce o caos

A morte de Kadafi talvez seja um dos eventos mais importantes do ano (num ano cheio de eventos importantes, diga-se de passagem). No entanto, representa o mais breve clímax da Primavera Árabe. Se por um lado o ditador líbio foi a figura política que sofreu as consequências mais graves do processo de luta por mudanças profundas na região (vale lembrar que, até agora, nenhum outro líder árabe pagou com a própria vida pelos anos de poder absoluto), a Líbia pode ser o primeiro Estado nacional pós-insurgências populares a ser engolido.

A Líbia pode se transformar no caos completo e entrar no clube dos Estados falidos africanos – caso da Somália, por exemplo. E esta não é uma hipótese distante. Mahmoud Jibril, presidente do quadro executivo do chamado Conselho Nacional de Transição (CNT) – nome bacana dado aos “rebeldes” – é um dos que defendem esta posição. Tanto que decidiu abandonar o barco. Jibril era a grande esperança das potências ocidentais de dar ao CNT um formato palatável. Economista graduado nos EUA, ele percebeu que transformar a Líbia numa democracia será complicado. Até porque, se criar algo próximo a um país já é uma missão ingrata, unir este arremedo de ideologias, tribos e fidelidades distintas num regime democrático é ainda mais complicado.

Há alguns responsáveis por este caos. Aliás, todo mundo é responsável, mas as alternativas ao caos eram impensáveis. A partir do início da Primavera Árabe nos países vizinhos, os líbios foram às ruas exigir transformações internas. Como era de se esperar, Kadafi optou pela violência para impedir as manifestações. Num cenário mais amplo, as potências ocidentais decidiram agir porque estavam em péssima situação. Identificadas às forças repressoras –contestadas e derrubadas – de Egito e Tunísia, perceberam no caso da Líbia a oportunidade de mudar para o lado certo (agora representado pelas pessoas comuns que exigiram o fim dos regimes ditatoriais). Assim, em março, correram para aprovar a intervenção da Otan.

Como de costume, a pressa atrapalhou o planejamento. Kadafi já não representava um problema real aos EUA e ao Ocidente havia muito tempo. Por isso, estava esquecido do ponto de vista estratégico. Graças a este esquecimento voluntário, ninguém conhecia a fundo ou mantinha contato frequente com os opositores de Kadafi. Quando as potências ocidentais decidiram derrubá-lo, precisaram de uma força opositora interna para representar a alternativa ao regime. Foi neste momento que “surgiram” os “rebeldes”. Escrevi em 23 de agosto sobre o assunto e a realidade de então continua a valer. O Conselho Nacional de Transição, formado em sua base pelos “rebeldes”, nada mais é do que um grupo unido somente em torno do objetivo de acabar com o ditador. Há ex-membros do governo, democratas, jihadistas, berberes e representantes das muitas tribos que formam a Líbia.

Agora que Kadafi é História, cada um desses grupos passará a lutar individualmente por poder. E assim está formado o caos, fruto da sucessão de acontecimentos não apenas da Líbia, mas também resultado da nova arquitetura regional (ela mesma ainda em formação).

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