quinta-feira, 29 de março de 2012

Na Síria, guerra sectária pode representar principal ameaça ao movimento de oposição a Assad

O acordo com o qual o presidente Sírio teria concordado na terça-feira – mediado pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan – é quase um sonho. De tão inverossímil, fica até difícil imaginar como seria implementado. O plano prevê que todos os envolvidos interrompam a violência, concordem com duas horas diárias de trabalho humanitário e – ainda mais inimaginável – que Assad permita livre acesso dos meios de comunicação às áreas afetadas pelos confrontos. Estamos falando do regime de Bashar al-Assad, o presidente que nunca aceitou a existência de partidos políticos reais e, claro, liberdade de imprensa.

Acreditar que agora, após um ano de uma guerra sangrenta responsável pela morte de nove mil pessoas, ele irá mudar é ingenuidade. O que Assad ganharia com isso? Ver estampadas nas publicações mundiais corpos de civis mortos pelo regime e carimbar com provas documentais seu passaporte ao banco dos réus do Tribunal Penal Internacional? Um estrategista astuto como Bashar al-Assad não daria um tiro no próprio pé de graça. Por mais que o Estado sírio esteja falido por conta dos conflitos, o presidente do país só irá ceder quando tiver certeza de ter esgotado todas as possibilidades – e, mesmo assim, após garantias de proteção e boa vida a ele e à família, possivelmente com uma aposentadoria garantida no Irã.

Até lá, a estratégia de Damasco será a mesma dos aliados iranianos com seu programa nuclear. Acenará com mudanças e abertura a negociações para logo em seguida voltar atrás. Continuará a controlar os meios de imprensa (todos estatais) e se agarrar ao discurso de que a oposição é formada por grupos terroristas. E por falar na oposição, é com ela que está a chave para compreender os próximos passos do conflito.

A ideia dos Estados opositores ao regime de Assad é fortalecê-la, reduzindo as muitas tensões sectárias que existem entre os próprios rebeldes. Turquia e EUA concordaram em armar os grupos armados de oposição com equipamentos não-letais, como rádios de comunicação, por exemplo. Os turcos permitiram o estabelecimento de uma base rebelde na província de Hatay, no sul do país. Até aí, tudo certo. O problema é que a configuração populacional da Síria é um arremedo de etnias e fidelidades religiosas mantidas em relativa situação de calma somente graças ao governo autoritário existente. Se o regime cai, o cenário muda. Assad sabe disso melhor do que ninguém e, por isso, passou a investir no incentivo às divisões da população.

Sunitas sírios refugiados na Turquia relatam que antigos vizinhos alauítas (membros da minoria da qual o próprio Assad faz parte) passaram a atacá-los com armas fornecidas pelo governo. Este movimento pode se expandir de forma mais grave, uma vez que o movimento rebelde é, em grande medida, dominado politicamente pela Irmandade Muçulmana e por árabes nacionalistas – que, por sua vez, se opõem às reivindicações dos curdos, uma das principais minorias da Síria com 2,5 milhões de pessoas (quase 10% da população do país). Se Assad conseguir provocar uma guerra sectária entre os rebeldes, o movimento de contestação inicial pode estar com os dias contados.

terça-feira, 27 de março de 2012

Programa nuclear da Coreia do Norte: cansaço e oportunidade a Obama

O presidente americano, Barack Obama, tem sido criticado por parte da imprensa americana por sua atuação durante a encontro sobre segurança nuclear realizado na Coreia do Sul. Ele é acusado de ter usado a ocasião politicamente para atacar a Coreia do Norte e o Irã, desperdiçando a oportunidade de discutir o uso de energia nuclear e suas muitas graves consequências práticas, como os conhecidos desastres em usinas deste tipo – da mesma forma como aconteceu durante o tsunami no Japão, em 2011.

Enxergo muitas doses de ingenuidade nas críticas a Obama. É claro que é importante discutir as questões técnicas e medidas preventivas, mas como alguém poderia imaginar que o presidente americano perderia a oportunidade de exercer seu poder num palco tão fundamental à política externa dos EUA? Escrevi há algum tempo sobre a mudança do eixo global. Esta mudança está relacionada, principalmente, à grande virada econômica tão conhecida de todo mundo. Com a ascensão de novas potências e a crise de atores tradicionais, como os europeus, o comércio e a produtividade passam, obrigatoriamente, a ter na Ásia um de seus principais pilares.

E, como principal potência, os EUA não querem estar fora deste novo jogo. Ainda mais num período de crise e com a China correndo cada vez mais rápido na disputa pela primeira colocação no ranking econômico mundial. É preciso contextualizar para entender. Um encontro envolvendo 54 líderes internacionais é um palco também na costura das alianças para os próximos quatro anos. E como todo mundo já sabe (e o vídeo que incluí neste post mostra isso muito bem), Obama considera – com razão, diga-se de passagem – que tem grandes possibilidades de se reeleger. Por isso, é fundamental marcar posição entre os parceiros asiáticos.

Atacar com palavras o programa nuclear norte-coreano, ameaçar as intenções de Pyongyang de lançar um foguete para colocar um satélite em órbita e visitar pessoalmente a zona desmilitarizada entre as Coreias do Sul e do Norte (que de desmilitarizada tem só o nome mesmo) são maneiras de fortalecer os aliados americanos na região – que, em comum, temem as movimentações da Coreia do Norte e ainda trabalham às cegas sobre as intenções do jovem Kim Jong Un, sucessor de Kim Jong-il. O ponto de partida dos principais atores regionais próximos aos EUA (Coreia do Sul, Austrália e Japão) é, na pior das hipóteses, Kim Jong Un será tão hostil quanto o pai. Isso pode até mudar, mas a análise concreta é que o filho do ex-líder cresceu e ascendeu politicamente no mesmo ambiente de Kim Jong-il. Em tese, não haveria razões para crer em algum suposto distanciamento ideológico entre eles.

No entanto, é preciso deixar claro que os avanços nucleares da Coreia do Norte tem sido muito mal abordados pelas sucessivas administrações americanas. Clinton, Bush e Obama não conseguiram obter sucesso nas negociações com Pyongyang porque erram sem parar nas estratégias globais escolhidas para enviar mensagens aos países que pretendem desenvolver programas nucleares. São declarações, mensagens e negociações simplesmente incoerentes e que, no caso da Coreia do Norte, acabou muito bem interpretada pelo regime esquizofrênico à frente do país. Artigo do colunista Paul J. Leaf, publicado na revista Forbes, mostra bem o tamanho desta contradição:

“A Líbia voluntariamente abriu mão de seu programa nuclear e, alguns anos depois, os EUA ajudaram a lançar uma campanha para derrubar seu líder. A Coreia do Norte, ao mesmo tempo, atacou outros países, inclusive civis, mas seu arsenal nuclear imunizou-a de punições. Pior: a beligerância do país foi recompensada com ofertas de benefícios econômicos em troca de persuadi-la a participar de conversas inúteis”. Por “conversas inúteis”, entenda-se o improdutivo processo de negociações sobre o programa nuclear da Coreia do Norte que se arrasta desde 1994.

quinta-feira, 22 de março de 2012

A Síria a caminho se se transformar na Líbia

O olhar ocidental sobre a tirania tem uma história de evolução. Quer dizer, por mais que esta pareça uma afirmação etnocêntrica, é óbvio que existe um senso-comum que condena regimes autoritários, antidemocráticos e que se baseiam na ausência de respeito aos direitos humanos. É por isso que aos olhos das potências ocidentais (e na visão das pessoas que vivem sob regimes democráticos ocidentais) a prática do presidente sírio é absurda. E é mesmo.

No entanto, já há quem comece a relativizar a situação. Não é o meu caso, definitivamente. Mas não custa fazer um exame da realidade atual da Síria. Moeda desvalorizada, economia parada, congelamento de parte importante da fonte de renda nacional por conta da interrupção do fluxo de turistas, aumento do desemprego e o rebaixamento das reservas cambias ao nível mínimo. Guerra é prejuízo. Guerra civil é ainda pior. E a guerra civil existe por conta deste momento de instabilidade que já dura um ano e que não tem data para terminar.

Como escrevi outras vezes, o Estado sírio corre riscos sérios. Não apenas pela possibilidade real de divisões étnicas e religiosas – mantidas sufocadas pelo regime Assad –, mas porque o terrorismo fundamentalista se alimenta de circunstâncias assim. O sucessor de Osama bin Laden na al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, convocou guerrilheiros islâmicos de todo o mundo para derrubar Bashar al-Assad.

Se a ameaça de invasão de terroristas é iminente – e já está acontecendo – , a possibilidade de derrubada de Assad (mesmo que por tropas ocidentais, algo que me parece muito improvável) tampouco garantiria estabilidade. A lição da Líbia é recente; e os acontecimentos que sucederam a morte de Kadafi podem ocorrer novamente. Na Líbia, os chamados “rebeldes” nada mais eram do que um amontoado de gente: ex-membros do governo e radicais islâmicos das mais variadas vertentes. O Ocidente os ajudou muito por conta do erro estratégico das décadas de silêncio e cumplicidade com as ditaduras árabes. No entanto, a morte de Kadafi não trouxe estabilidade para a Líbia, muito pelo contrário.

Este enredo tem tudo para se repetir na Síria. Mas com cores muito mais fortes. Estrategicamente, a falência do Estado sírio é bem mais grave do que a falência líbia. Deixar que a Síria se desmembre numa guerra étnica sem data para terminar será tão grave quanto os piores anos de conflitos no Iraque pós-Saddam. A movimentação de guerrilheiros no interior de Turquia, Líbano, Jordânia e Iraque a caminho da Síria é um sinal de alerta: a manutenção do status-quo de impasse absoluto não é uma alternativa viável para encarar o problema sírio.

terça-feira, 20 de março de 2012

O risco da Síria se transformar num novo Iraque

Segundo a ONU, o número de mortos na Síria já passa de oito mil. Este dado a chama a atenção logo de cara porque é inevitável compará-lo à justificativa que tornou possível a criação de uma zona de exclusão aérea internacional na Líbia, por exemplo. Um ano após o início dos protestos populares na Síria, ainda não se pode vislumbrar qualquer possibilidade de resolução. O presidente Bashar al-Assad está sob pressão, mas não a caminho de um exílio forçado ou de entregar o cargo. Isso tudo pode ser explicado. E não apenas pela posição estratégica do país, mas também por questões mais práticas.

Por ora, ainda não é possível dizer que houve deserções significativas de militares sírios. A força aérea permanece praticamente a mesma. Seu poderio não pode ser desconsiderado em qualquer avaliação. São cerca de 54 mil oficiais, o dobro dos combatentes líbios com os quais Kadafi contava. Os muitos anos de parceria com a Rússia também garantem às forças de Assad equipamento avançado e tecnologia capaz de permitir levar adiante embates com qualquer força aérea internacional. Isso não dá a Damasco qualquer certeza de vitória, claro, mas causa temor de perda de vidas e prejuízo financeiro significativo aos ocidentais. E como ninguém pode prever qual será o posicionamento da Rússia, há aí também mais um fator de preocupação.

No entanto, o cerco parece estar começando a se fechar. A Rússia diz estar pronta a apoiar uma resolução do Conselho de Segurança que exija um cessar fogo entre as partes, mas que não se configure como um ultimato a Assad. Já escrevi algumas vezes sobre a aliança histórica entre russos e sírios. É a partir dela que Moscou tem agido. No entanto, a Rússia também enxerga a situação como uma oportunidade de retomar o protagonismo internacional perdido. Seria uma reversão de crise em grande estilo, além de certamente acabar alardeada como vitória sobre os EUA. O grande problema a todos os envolvidos na crise síria é o caminho que ela tem seguido. Como em todos os conflitos do Oriente Médio, não há nenhum espaço para ilusões. Instabilidade significa oportunidade para a exacerbação dos conflitos étnicos.

E, assim como em outras partes da região, as tensões entre as etnias é silenciada pelo poder do Estado. Se as instituições do país balançam (mesmo que elas não sejam democráticas, como é o caso), a própria manutenção do país fica comprometida. E é isso o que está acontecendo agora. O risco de um embate interno entre as distintas fidelidades religiosas é grande. É possível mesmo que a Síria siga o exemplo do Iraque, um país dividido pela guerra interna. Justamente para evitar este cenário, não duvido que as potências ocidentais encontrem um concerto que tenha como única motivação evitar o colapso do Estado sírio. Por conta disso, a presença de Kofi Annan no país pode conseguir apoio de todo mundo. Resta saber como Bashar al-Assad irá se comportar, uma vez que ele sabe que o desmantelamento do país não interessa a ninguém.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Os discursos e estratégias de Irã e Israel se anulam

É curioso que, por mais inacreditável que seja, o embate entre forças de Israel e grupos radicais palestinos em Gaza tenha colocado do mesmo lado os gabinetes de governo israelense e iraniano. A nenhum deles interessa que as atenções sobre o poderio regional do Irã saia de cena. Como escrevi na última terça-feira, a mobilização da Jihad Islâmica tem, principalmente, este objetivo.

O Irã não quer passar recibo de derrotado. Com o enfraquecimento de sua aliança, seu projeto mais amplo de hegemonia no Oriente Médio também perde força. Se, de fato, os dirigentes do Hamas estiverem dizendo a verdade ao considerar o caminho do pragmatismo e abandonarem de vez a cooperação política e militar com a República Islâmica, a situação iraniana pode ficar crítica na fronteira com o sul do território israelense. Vale lembrar que o Hamas controla Gaza desde 2007 e, do ponto de vista estratégico, Teerã sempre considerou que manter um aliado bem armado logo ao lado de Israel era uma maneira de manter forte pressão e poder dissuasão sobre qualquer pretensão de Jerusalém para frear militarmente os avanços nucleares persas.

Quando o Hamas publicamente manifesta posição contrária, fura esta estratégia. A posição poderia soar menos desconfortável ao gabinete de Netanyahu, uma vez que o Estado judeu passaria a trabalhar com a possibilidade de combate em apenas duas frentes, não três (atacar o Irã e manter a defesa de sua fronteira norte, contendo os mísseis da milícia xiita libanesa Hezbollah). E aí, por mais que uma guerra com o Irã ainda seja muito difícil, diante desta situação, fica menos complexa – o que significa, na prática, dar mais um argumento para o primeiro-ministro israelense convencer os outros sete membros do chamado supergabinete a fechar uma posição em torno do ataque.

E aí retorno ao primeiro parágrafo. O Irã não deseja ser atacado por Israel, claro. Mas precisa manter seu poder na fronteira com o sul do território israelense. Este é um instrumento de poder que amplia a percepção de que o país ainda está na corrida pela hegemonia regional. Com isso, surge um estranho caso de retroalimentação internacional: ao mobilizar a Jihad Islâmica para lançar mísseis sobre o Estado Judeu, o Irã reforça o atual discurso de Benjamin Netanyahu de que é preciso acabar com o programa nuclear iraniano. Porque ele é uma ameaça a Israel e, ainda por cima, consegue encontrar terreno fértil em seus aliados em Gaza, concretizando esta ameaça latente justamente logo ao lado do território israelense.

Vale até fazer um esquema para deixar mais claro:

Irã persegue hegemonia regional – para isso, dentre outras medidas, mobiliza aliados nas fronteiras norte e sul de Israel, fragilizando as defesas do Estado Judeu – que, por sua vez, investe em segurança e reforça seu discurso de que o Irã representa uma ameaça – que não aceita retroceder em sua busca por energia nuclear, porque considera tal iniciativa parte de sua estratégia na corrida por hegemonia regional – o que reforça o discurso israelense quanto à necessidade de investimento em defesa e no desmantelamento da estrutura nuclear iraniana.

É claro que este modelo é amplo demais e serve apenas como uma maneira um pouco mais estruturada e geral de entender a situação de disputa que envolve esses dois atores.

terça-feira, 13 de março de 2012

Confronto em Gaza pode ser explicado pelas disputas regionais mais amplas do Oriente Médio

Desde a última sexta-feira, Israel e grupos radicais palestinos de Gaza retomaram os ataques mútuos. Foram 120 mísseis lançados contra o sul do território israelense. Já o exército de Israel atacou Gaza, deixando 25 mortos. Aparentemente, um cessar-fogo foi alcançado nesta terça a partir da mediação do Egito. Apesar disso, já há informações de que mísseis foram lançados contra Israel. Se essa história parece uma repetição do enredo já tão conhecido do Oriente Médio, é preciso prestar atenção a algumas particularidades importantes.

Foto: Iron Dome em ação: escudo antimísseis israelense teve aproveitamento de 86%

Aparentemente, o Hamas não foi o autor desta ofensiva. Os principais agentes da onda de disparos são Jihad Islâmica e os Comitês de Resistência Popular. O racha interno no pequeno território de Gaza é mais um exemplo da disputa regional mais ampla entre os eixos xiita e sunita. O Hamas era um aliado histórico do Irã desde que a região se dividiu estrategicamente. Por mais que a maioria dos palestinos seja sunita, como expliquei em outros textos as alianças são constituídas não apenas por filiação religiosa, mas também por interesses estratégicos.

O Hamas, grupo que controla a Faixa de Gaza desde 2007 (após expulsar os membros do Fatah), fechou com o Irã devido a seu principal objetivo: o grupo passou a buscar legitimidade como ator reconhecido do jogo regional – exatamente como conseguiu a milícia xiita Hezbollah, no Líbano. É importante deixar claro qual a meta estratégica porque ela explica boa parte do movimento atual.

Hamas e Jihad Islâmica são rivais em Gaza. O Hamas, aparentemente, pulou fora da aliança com o Irã. A ponto, inclusive, de vários dos líderes do grupo radical palestino terem declarado nos últimos dias que não irão se envolver num eventual confronto entre Irã e Israel. A ruptura entre Hamas e Teerã não aconteceu de uma hora para outra. O Hamas não apoiou a ofensiva do presidente sírio, Bashar al-Assad, contra os próprios cidadãos. A Síria, principal aliado árabe do próprio Irã, não gostou nem um pouco desta postura. Os iranianos compraram as reclamações de Damasco, até porque se agarram ao presidente sírio por motivos óbvios. Se Assad cair – e isso deve acontecer mais cedo ou mais tarde – , o Irã estará completamente isolado regionalmente (a Turquia assumiu posição independente, o Hezbollah não é um Estado nacional e, agora, nem com o Hamas Teerã pode contar).

Não por acaso, os iranianos recorreram aos adversários internos do grupo radical palestino. Jihad Islâmica e os outros agrupamentos menores contam com financiamento da República Islâmica. Em troca, precisam obedecer às ordens do patrão. Criar uma situação de instabilidade violenta com Israel é, agora, uma forma de punir o Hamas por sua recente aproximação com o eixo sunita.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Esforços internacionais podem não conseguir evitar operação militar no Irã

Admito que, para alguns, o texto de terça-feira pode ter soado um tanto alarmista. No entanto, mantenho tudo o que escrevi. Mas, se os preparativos para este eventual confronto – que seria ruim a todos os envolvidos – continuam em curso, existe também um concerto internacional para evitá-lo. E ele é tão significativo porque a maior potência do planeta não está nem um pouco disposta a tomar parte em mais uma guerra no Oriente Médio. A partir disso, todos os outros atores passam a se comportar tendo claro que evitar esta guerra pode render ganhos políticos importantes. Crise é oportunidade.

Os iranianos sabem disso. Ao contrário do que os discursos tentam demonstrar, a realidade do Irã sob sanções é bem diferente: alta da inflação, desvalorização monetária e muitos entraves na exportação. Tudo isso explica, em boa parte, o novo capítulo desta dramaturgia fracassada que resume os diálogos entre Teerã e Ocidente. Desde janeiro de 2011, as negociações estão emperradas, mas agora surge um aceno da República Islâmica. A ideia é que uma nova rodada de conversações aconteça pelos menos até o próximo mês de abril. Uma das propostas de conciliação vem da Rússia, aliada do Irã e uma das principais potências que se opõem a uma operação militar.

A ideia de Moscou não é nova, mas seu grande valor é, aparentemente, conseguir deixar quase todo mundo satisfeito. O Irã poderia continuar a enriquecer urânio, mas sob supervisão internacional constante. Em fases, o país iria se enquadrar e responder a todas as dúvidas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e, em contrapartida, as sanções cairiam aos poucos. Se esta pode soar como a solução deste problema, há pelos menos duas questões que poderiam pôr em xeque sua aplicação: a primeira delas, vem de Israel. Para Jerusalém, a questão conceitual não gira exclusivamente em torno da construção da bomba atômica pelos iranianos, mas da capacidade de eles fazerem isso. Esta é, inclusive, uma das principais barreiras atuais entre os governos americano e israelense. No caso da adoção do plano russo, esta questão ainda poderia ficar em aberto.

Outro ponto importante é o papel dos EUA e sua visão a partir desta proposta; há duas possibilidades: ou Obama irá aceitá-la, já que considera evitar a guerra um propósito maior do que capitalizar os ganhos para si ou condenará a proposta russa ao ostracismo, da mesma forma como agiu quando Brasil e Turquia alcançaram um acordo com o Irã, em 2010. Acho que agora o momento é outro, ou seja, a urgência do presidente americano para evitar um confronto desta grandiosidade é maior do que sua vaidade em entregar o protagonismo de encontrar uma solução diplomática a outros atores (mesmo que, no caso, estejamos falando dos russos). Creio que Obama pensaria exclusivamente sob o prisma do pragmatismo. Até porque ele poderia usar todo seu poder de retórica para ganhar pontos junto ao eleitorado americano, claro.

No entanto, mesmos os esforços internacionais ainda não conseguiram convencer o atual gabinete israelense de que qualquer iniciativa diplomática conseguirá impedir os iranianos de alcançarem capacidade de, em algum momento, construir seu arsenal atômico. E, apesar de toda a retórica, os próprios iranianos continuam a criar evidências que deixam margem ao discurso que coloca em dúvida a sinceridade de uma eventual distensão. Segundo a agência de notícias Associated Press (AP), fotos de satélite da base militar de Parchin, no Irã, mostram caminhões e veículos terrestres no local em movimento considerado suspeito, como se estivessem tentado limpar vestígios radioativos deixados pela realização de testes nucleares, de acordo com diplomatas entrevistados. Relatório divulgado pela AIEA aponta que Parchin é um dos lugares usados para experimentos com explosivos convencionais que teriam como objetivo a detonação de uma reação nuclear em cadeia.

terça-feira, 6 de março de 2012

Israel pode atacar o Irã já no próximo mês de maio

O encontro entre Benjamin Netanyahu e Barack Obama, nesta segunda-feira, em Washington, pode ser traduzido quase como o ponto alto das negociações entre os dois países sobre o programa nuclear iraniano. Aliás, chamar de negociação é um equívoco. O que está acontecendo entre os líderes “aliados” é uma queda de braço. Por mais estranho que pareça, Bibi está levando a melhor. Não porque seja mais poderoso que Obama – não é –, mas pelo simples fato de estar determinado em levar adiante a sua crença de que, no final das contas, vale tudo para impedir que o Irã tenha a capacidade de produzir a bomba atômica.

Obama não suporta Bibi. Não se trata de uma análise baseada em suposições, mas no constrangedor episódio em que, sem saber que seu microfone ainda estava aberto, o presidente americano dividiu sua antipatia pelo primeiro-ministro israelense com o colega francês Nicolas Sarkozy. Mas Bibi e Obama precisam se aturar. Representam países aliados – uma aliança estratégica a ambos. A questão é que, agora, Obama tem mais a perder politicamente do que Netanyahu. A corrida presidencial americana, a crise econômica mundial que atingiu em cheio os EUA e as graves consequências que uma nova guerra no Oriente Médio certamente teriam. A própria figura de Obama e suas intenções seriam questionadas. Por tudo isso, Washington tem tentado ganhar tempo; atrasar mesmo qualquer tentativa israelense de levar adiante o projeto de impedir os avanços iranianos.

No entanto, à medida que o tempo passa, a situação vai ganhando contornos mais claros. Como escrevi alguns textos atrás, Israel se encontra no dilema de permitir a ruptura da principal diretriz de defesa do país: que algum de seus vizinhos tenha capacidade bélica similar. A bomba atômica iraniana reflete o pior pesadelo dos israelenses. O Irã não apenas é um ator regional, como também deixa muito claro estar disposto a ter a capacidade de ameaçar o Estado judeu. Pois é. Coloquei em questão se haveria disposição por parte de Jerusalém para a permitir esta situação de “empate”, se podemos dizer assim. As circunstâncias, os fatos e as análises apontam ao menos esta resposta: o líder do atual governo, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, já tomou sua decisão de não passar aos livros de história como o mandatário que fez esta concessão. Na prática, isso significa que Israel irá atacar o Irã mesmo que por conta própria.

Os indícios levam a crer que esta é a resposta para uma das principais dúvidas mundiais do momento. Alguns dos sinais são muito claros: a possibilidade real de Obama vencer a corrida presidencial é interpretada por Netanyahu como a manutenção do cenário atual onde os EUA aguardam os resultados das sanções (e o Irã não retrocede em seus avanços nucleares); reportagem exclusiva da Newsweek mostra que os israelenses deixaram de repassar aos EUA informações de planejamento militar sobre o Irã na metade de 2011. A cooperação foi retomada tempos depois, mas Jerusalém continua a não repassar os dados principais; e, finalmente, a descoberta fundamental da revista alemã Der Spiegel: agentes do Mossad admitem que Israel irá atacar em 2012; fontes americanas oficiais dizem acreditar que a operação israelense deve acontecer já no próximo mês de maio.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Irã: as distintas expectativas de políticos e das pessoas comuns

Neste tempo que antecede os movimentos mais bruscos quanto à decisão de interromper ou não militarmente os avanços nucleares iranianos, é interessante prestar atenção ao cruzamento entre as demandas dos políticos e do público que eles representam. Benjamin Netanyahu e Barack Obama deveriam estar atentos às pesquisas de opinião que têm sido conduzidas por universidades e institutos independentes. O presidente americano certamente leva em consideração essas informações valiosas. Não apenas por seu perfil de líder popular carismático – e profundamente identificado com as pessoas comuns –, mas também porque enfrenta o difícil período pré-eleitoral.

Pesquisa realizada em Israel em conjunto entre a Universidade de Maryland e o Instituto Dahaf mostra a já conhecida divisão da sociedade israelense: 34% dos entrevistados acreditam que o país não deve atacar o Irã, enquanto 42% consideram que tal operação pode acontecer somente se os EUA apoiarem a decisão. Apenas 19% dos ouvidos pensam ser possível realizar a empreitada mesmo sem o apoio dos americanos. Para mim, esses dados são claros: a população comum de Israel sabe da enorme dificuldade que existe para concretizar os planos militares neste caso específico e também está ciente quanto aos prejuízos envolvidos. E isso tem a ver com o que escrevi na terça-feira e com o que venho escrevendo há bastante tempo: ao contrário de operações realizadas anteriormente e com alto grau de sucesso (o bombardeio da usina de Osirak no Iraque, em 1981, e da usina nuclear em construção na Síria, em 2007), há muitas complexidades envolvidas no caso do Irã.

Algumas delas bastante óbvias: como Teerã está em busca de liderança hegemônica regional, um conflito com Israel (por mais que os iranianos tenham muito a perder com ele) é aguardado, uma vez que as autoridades do país não se cansam de realizar ações provocativas e discursos ameaçadores. Ou seja, a República Islâmica não irá fugir de um eventual confronto. Importante lembrar também que as alianças internacionais fortalecidas durante a gestão Khamenei-Ahmadinejad atingem em qualquer cenário seu ponto alto numa guerra com Israel (para ser mais claro, a transferência de armamento a Hezbollah e Hamas). E nada disso é segredo. A população comum israelense – a maior interessada neste assunto – sabe disso. Seria muito interessante poder contar com pesquisas deste tipo realizadas entre os cidadãos iranianos. Mas, por motivos óbvios, não há dados disponíveis.

Do outro lado deste espectro, está a população americana. Por mais que seja pouco provável que o território americano seja palco de uma guerra entre Israel e Irã, os EUA estão envolvidos na questão. É possível que parte da eventual retaliação dos iranianos procure atingir alvos americanos ao redor do mundo, um conflito deste tipo envolve os interesses americanos na região, seu principal aliado – Israel – e a dúvida quanto à participação direta ou indireta das forças militares do país. Pesquisa realizada pelo instituto Pew mostra dados curiosos; a população comum americana está mais engajada na possibilidade de ataque ao Irã do que os próprios israelenses. Entre os entrevistados, 58% são favoráveis à realização de um ataque, caso as resoluções não funcionem. E, para ser mais claro, o objetivo das sanções é forçar o Irã a desistir de prosseguir com seu programa nuclear. Isso não vai acontecer.

Quando Bibi e Obama se encontrarem na semana que vem vão precisar equacionar dados que se anulam: O primeiro-ministro israelense quer atacar o Irã, mas a própria população de Israel não está tão entusiasmada com isso. O presidente americano não é favorável à consolidação do plano militar, ainda mais às vésperas da eleição – muito embora os cidadãos americanos apoiem a iniciativa. Para piorar a situação de Obama, os pré-candidatos republicanos entenderam que o programa nuclear iraniano é uma fonte de discórdia entre o atual presidente e parte do eleitorado. E, por isso, não vão esquecer deste assunto durante toda a campanha.