terça-feira, 3 de julho de 2012

Turquia: Erdogan não contava com a imprensa livre


Está claro que a Turquia pretende ser protagonista na Síria. Pelos motivos expostos no texto anterior: afirmar-se na liderança dos Estados muçulmanos e também porque é importante jogar para debaixo do tapete a própria repressão que tem aplicado sobre os separatistas curdos. Os turcos não consideram qualquer possibilidade de movimentação geopolítica na região do Levante sem sua participação ou chancela. Esta é sua diretriz internacional e, mais uma vez, é ela que justifica a atuação neste momento. 

Ancara acabou conseguindo se transformar na principal defensora dos interesses populares dos muçulmanos do Levante. Isso pode não ser a verdade absoluta, mas, como escrevi, vale a imagem construída. O episódio em que o caça turco foi derrubado pelo exército de Bashar al-Assad  serviu para reforçar esta impressão. Mesmo que o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, negue que havia uma missão militar em curso, o fato de este ter sido o único avião estrangeiro a desafiar as forças de Assad já serviu para angariar mais pontos ao líder turco. 

O problema agora são os vazamentos de informação. Erdogan tem ficado profundamente incomodado com a atuação da imprensa de seu país. Não tolera críticas ou especulações sobre suas diretrizes governamentais – característica para lá de comum entre líderes populistas. Mas o primeiro-ministro turco está ainda mais incomodado porque os jornalistas podem expor as contradições de seu mandato. Segundo reportagens de New York Times e Guardian, a Turquia estaria dando cobertura a atividades de agentes da CIA ao longo dos mais de 800 quilômetros de fronteira do país com a Síria. Ainda de acordo com as matérias, haveria uma aliança entre Erdogan, Arábia Saudita e Qatar para financiar os rebeldes sírios. 

Tudo isso poderia colocar em xeque esta alardeada independência turca, talvez contaminando a estratégia criada por Erdogan. Muito pior que a parceria com a Arábia Saudita é a suposta colaboração com a CIA. E este pode ser o único furo do primeiro-ministro da Turquia: em sua ambição de protagonizar os acontecimentos regionais e jogar os curdos para debaixo do tapete, topou toda a sorte de tramoias. Sua autoconfiança não lhe permitiu ao menos parar e analisar as consequências de um eventual vazamento para a imprensa. Por enquanto, ainda é cedo para afirmar qualquer coisa. Mas se essa história se espalhar e as pessoas ligarem esses pontos, Erdogan pode sair arranhado.  

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