domingo, 22 de dezembro de 2013

A Europa em transformação

No final de 2013, as perspectivas para o futuro próximo na Europa são estranhas. A situação de impasse na Ucrânia é apenas um dos muitos aspectos que colocam o futuro do continente em aberto. E quando digo isso não me refiro somente às boas perspectivas. A crise já não soa há algum tempo como algo passageiro. Acabo sempre insistindo neste ponto porque realmente considero-o importante. Há meia década, o continente está afundado em desemprego, recessão e nos mirabolantes e exigentes planos de “austeridade” preparados pelos governos. Historicamente, meia década não é lá algo relevante, mas no dia a dia de quem perdeu emprego e benefícios sociais é uma eternidade.

Diante deste cenário, o impasse ucraniano aponta os sinais de que países, pessoas e entidades políticas não estão dispostos a esperar o tempo passar e torcer por uma virada de jogo. O que se vê é um continente revolvido por tentativas de aplicação de novas e velhas ideias – muitas delas representadas por fórmulas de um passado terrível para a Europa e para a humanidade. É o caso dos novos partidos de inspiração fascistas, como o Alvorada Dourada (Grécia), Frente Nacional (França), Partido da Liberdade (Holanda) e Jobbik (Hungria). Longe de inofensivos, essas legendas estão cada vez mais presentes na realidade política de seus países. Segundo o New York Times, o Jobbik pode se tornar a segunda principal força do parlamento húngaro, e, em maio de 2014, há risco real de a extrema-direita obter resultados expressivos nas eleições para o Parlamento Europeu.

Há também outro tipo de resposta à crise. Se antes aderir à União Europeia era uma espécie de destino manifesto no continente, questioná-lo é, atualmente, uma realidade para lá de corriqueira. Caso do movimento 5 Estrelas, do comediante-político italiano Beppe Grillo e da própria Grã-Bretanha, que, em 2017, realiza referendo popular para decidir se permanece ou se pula fora do bloco. Diante disso tudo não é espantoso ler artigo publicado no Wall Street Journal assinado por Catherine Ashton, Alta-representante da UE para Assuntos Externos e Política de Segurança e Vice-presidente da Comissão Europeia. No texto, ela questiona o fato de as decisões sobre defesa ainda serem tomadas individualmente pelos 28 membros nacionais. Ou seja, Ashton ainda é uma representante do projeto original que tinha como ambição a constituição em médio prazo de uma entidade única supranacional. No contexto atual, isso anda cada vez mais em baixa, mas não deixa de ser um pilar das disputas continentais em curso.

E é justamente em função disso tudo que a crise ucraniana é tão interessante. A medição de forças entre eurocêntricos, eurocéticos e neo-fascistas não é exatamente nova. Novidade é que esta guerra verbal e política deve se tornar cada vez mais intensa. O caso da Ucrânia é emblemático porque apresenta um caminho novo (e aí não faço qualquer juízo de valor sobre ele): a Rússia disposta a desafiar a União Europeia abertamente, sem fazer concessões.

No limite máximo, ou seja, na visão mais radical sobre o potencial dessas mudanças, todos esses movimentos prometem transformar a realidade europeia tal como a conhecemos no significativo intervalo entre o final da Segunda Guerra Mundial e a primeira década do século 21

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Na Ucrânia, revolta contra o modelo político

O impasse politico e social na Ucrânia encontra algumas semelhanças com os protestos de junho no Brasil. Assim como aconteceu por aqui, a revolta popular não se resumia ao aumento das passagens de ônibus, mas, principalmente, ao uso da máquina pública para benefícios privados. 

No Brasil, o péssimo serviço de transporte público que não é público (afinal, o Estado entrega concessões de linhas de ônibus a empresas privadas, por exemplo) é bastante representativo do modelo de escolhas e decisões políticas que atendem aos interesses partidários e políticos, mas não públicos. No meio de tantas demandas brasileiras, essa que era a principal mensagem dos protestos de junho acabou perdida devido ao impacto dos acontecimentos na vida cotidiana e na cobertura da imprensa. O objetivo inicial das manifestações era deixar claro a insatisfação com este modelo. 

Na Ucrânia, parte da população está insatisfeita com a gestão que privilegia a relação estratégica entre os presidentes Yanukovich e o presidente russo, Vladimir Putin. Na verdade, os anseios populares vão além; as pessoas percebem o valor estratégico ucraniano e o leilão em curso. 

Há muita oferta de dinheiro, mas pouco interesse na melhoria das condições de vida. A China acena com a possibilidade de investir 7 bilhões de dólares; a Rússia oferece descontos de até 9 bilhões de dólares nos preços do gás (um dos principais instrumentos de atuação internacional russa), caso a Ucrânia aceite aderir a um bloco regional liderado por Moscou; e o Fundo Monetário Internacional (FMI) poderia negociar um empréstimo de 15 bilhões de dólares, desde que Kiev impusesse medidas restritivas à população comum, entre elas o já conhecido pacote de austeridade que incluiria até o aumento do preço do gás doméstico. 

Diante deste cenário, os ucranianos perguntam o óbvio: se o governo não consegue responder aos anseios populares, por que não assina o acordo de adesão à União Europeia? Por que o presidente Yanukovich aceita transformar o país num instrumento geopolítico da fantasia soviética vintage de Vladimir Putin? E tudo isso levou os ucranianos às ruas. 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Queda de braço entre Rússia e União Europeia na Ucrânia

Os ucranianos estão novamente nas ruas. Desta vez, são os últimos a aderir à nova onda de protestos internacionais contra a classe política estabelecida. É claro que em cada um dos países onde o modo de manifestação popular ocupou ruas e espaços públicos as demandas eram diferentes. No caso da Ucrânia, há uma enorme sensação de retorno ao ponto que muitos consideram como o inicial desta rebeldia popular internacional. A Revolução Laranja, como ficou conhecida a bem sucedida manifestação de 2004 e 2005, conseguiu derrubar o então presidente Viktor Yanukovich – curiosamente, o atual presidente (eleito novamente ao cargo em 2010). 

Se por um lado o processo de rebelião popular tem razões muito claras, a situação geopolítica ucraniana é mais complexa. A insatisfação que levou novamente milhares às ruas foi a recusa de Yanukovich de celebrar um esperadíssimo acordo de adesão do país à União Europeia. Isso explica parte da situação. 

A outra parte diz respeito à batalha internacional pelo direito a ter a Ucrânia sob distintos guarda-chuvas. A guerra de poder é, novamente, entre Ocidente e Oriente; entre a União Europeia – que tem a sua própria agenda política – e a Rússia – encabeçada por Vladimir Putin. O líder russo deixa muito evidente suas intenções de vender caro quaisquer manobras que considere ocorrer no que julga ser sua esfera de atuação ou, para ser ainda mais específico, a área de influência da Rússia, um país que neste ano já deixou claro quer não abre mão do protagonismo internacional. 

Se Putin não aceitou ser deixado de lado na abordagem ocidental à Síria, como deixaria barato um acordo da União Europeia na Ucrânia? E não apenas porque Rússia e Ucrânia fazem fronteira, mas porque fábricas ucranianas são dependentes de matéria-prima russa, porque a Ucrânia foi parte da Rússia, porque parte da população ucraniana ainda hoje fala russo, porque a Ucrânia é amplamente abastecida por gás russo. 

Por outro lado, a oferta de benefícios econômicos da União Europeia é atraente. Aderir ao bloco não é somente ter acesso a esses benefícios, mas, do ponto de vista da população, o direito ao livre trânsito pelos países – mesmo em tempos que a UE atravessa crise. A adesão implica também no rompimento com os russos. Não por acaso a chanceler alemã Angela Merkel disse claramente que é chegada a hora de oferecer aos ucranianos novas fontes de energia, o que considero uma mensagem clara ao presidente Putin. 

A disputa na Ucrânia é entre Rússia e União Europeia. Mas a resolução deste dilema passa também pelas disputas internas na própria Ucrânia. Com a população bastante dividida, qualquer que seja o resultado final certamente vai deixar muita gente insatisfeita.