sexta-feira, 30 de maio de 2014

Dez anos da missão do Brasil no Haiti

No meio de tantas notícias e, claro, da Copa do Mundo, pouca gente se lembrou de uma outra grande empreitada brasileira: neste domingo, a intervenção militar do país no Haiti completa dez anos. Longe de ser unanimidade, a ideia foi colocada em prática durante o governo Lula, cujo interesse internacional era bastante superior ao da presidente Dilma. 

Claramente, desde que Lula deixou a presidência, o Brasil arrefeceu seus ímpetos no jogo político externo. Por algumas razões, mas, principalmente, porque alcançar protagonismo geopolítico era um projeto mais de Lula, menos de Dilma. Bem menos. Pouca gente pode estar lembrada, mas tratei bastante disso por aqui. Em maio de 2010, o Brasil chegou mesmo a alcançar um acordo com os iranianos sobre a produção de urânio  enriquecido – assunto ainda problemático devido às suspeitas das pretensões de Teerã de produzir armamento atômico. 

Hoje, Dilma privilegia as questões econômicas e o PAC, por exemplo. Mas as tropas permanecem no Haiti, na liderança da chamada Minustah (Mission des Nations Unies pour la stabilisation en Haïti). Mas, apesar do enorme capital de simpatia do qual o Brasil usufrui pelo mundo, a presença dos soldados brasileiros em território haitiano está longe de ser unanimidade. O pesquisador haitiano Franck Seguy concluiu seu doutorado na Unicamp e classifica a ideia de pacificação do país como uma artificialidade.

“Não, o Haiti nunca precisou de missão de paz, nunca teve guerra”, diz. E compara a situação com a guerra pelo poder entre traficantes nas favelas brasileiras: “esses conflitos existem e justificam muitas coisas, mas não dá para dizer que o Brasil esteja em guerra e precise ser pacificado”, declara em entrevista ao jornal da Unicamp. 

Pois é. Escrevi tudo isso como forma de mostrar a ilusão quanto à possibilidade de dividir os países entre heróis e vilões. Países não são pessoas, mas comandados por pessoas cujo principal objetivo é alcançar vitórias estratégicas. Em 2004, a direção do Estado brasileiro considerou a ideia de intervenção militar no Haiti como forma de aumentar seu capital internacional na área de defesa e segurança. O propósito maior disso era, como se sabe, diversificar os pilares do país em sua busca por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Se este caminho foi certo ou errado, é somente uma questão de perspectiva. Dez anos depois, os soldados ainda estão por lá. 

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Europa sob ameaça

Quero me prolongar um pouco mais sobre as eleições europeias. Dessa vez, o texto é curto. A crise que se abateu sobre a UE não é direcionada apenas ao bloco em si. Está longe de ser simplória desta maneira. É uma ameaça real a longo prazo. 

Os partidos que se aproveitaram da crise são os que têm as propostas mais rasteiras. São radicais em parte por isso. Porque não querem resolver os problemas da crise econômica em sua complexidade. Não sabem e não têm capacidade para isso. Respondem com ódio, respondem com o que há de mais venal. Em boa parte, esses partidos unem seus militantes pelo o que têm de pior. A política é uma máscara que serve para travestir o rancor ao estrangeiro, ao diferente, como numa lavagem de dinheiro. No lugar das finanças, eles pretendem lavar e tentar imprimir uma espécie de legitimidade político-ideológica aos preconceituosos. É um esconderijo dos grupos dedicados a propagar o que há de pior nas sociedades. 

Não sem razão, o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, definiu a ascensão de Marine Le Pen como um “terremoto político”. É isso mesmo. Para esses grupos travestidos de partidos, a política é um meio para se chegar ao mesmo fim de suas origens. Na Idade Média, hordas enfurecidas se voltavam contra os judeus, na Europa, acusando e matando sem punição. Hoje, felizmente, isso não é possível ou aceitável. Por isso, foi preciso que esses bandos adquirissem outra roupagem. Mas continuam com o mesmo DNA, não se enganem. Seu projeto político atual engloba não apenas os judeus, mas muçulmanos e imigrantes em geral. Se chegarem ao poder em sua plenitude, não irão poupar esforços para colocar em prática seu projeto original. 

terça-feira, 27 de maio de 2014

Na Europa, a extrema-direita sai fortalecida das urnas

O resultado das eleições gerais europeias lança uma perspectiva sombria: como imaginar a UE sem a participação de Reino Unido e França? Esta é uma possibilidade real, considerando que as vozes contrárias ao bloco foram amplamente vitoriosas nesses países. Com 12% de desemprego, a chamada zona do euro inspira cada vez mais desconfiança em seus 500 milhões de habitantes. 

E não é para menos. O problema é que os discursos que “arrebataram” votos em França e Reino Unido são, basicamente, fundamentados em repúdio à imigração e ao próprio conceito de livre trânsito – possivelmente, o conceito mais inovador do bloco. Não se tratava de uma novidade, mas nunca antes ele havia sido aplicado com tal extensão. 

Depois de seis anos de crise, parte considerável da população europeia quer rever esta ideia. Pelo menos é essa a mensagem que emerge das urnas. No caso do Reino Unido, a situação é ainda mais evidente. O UKIP (sobre o qual escrevi bastante nos textos anteriores) não consegue muito sucesso entre os britânicos nas eleições domésticas. O partido não tem um parlamentar sequer na Grã-Bretanha. Mas foi um dos grandes vencedores no pleito europeu graças a esse discurso notadamente anti-imigração. 

Na França, Marine Le Pen confirmou a popularidade que se já conhecia de eleições anteriores. O líder do UKIP, Nigel Farage, e Le Pen podem vir a consolidar uma parceria para lá de esquizofrênica no Parlamento Europeu. Em Bruxelas, podem se unir para destruir o bloco. 

Resta aos partidos tradicionais – com discursos menos inflamados e com projetos políticos mais complexos – entender a mensagem recebida nesta votação. Precisam dar uma resposta aos eleitores. Certamente não com o veneno e o rancor extremista de UKIP e Frente Nacional (o partido de Le Pen), mas discutindo de frente o projeto europeu e como a ideia de livre trânsito e as questões relativas à imigração serão tratadas nesses tempos de crise. Se a população opta por fortalecer os radicais, cabe aos mais responsáveis acalmar os ânimos e encontrar soluções menos simplórias e rancorosas. 

quinta-feira, 22 de maio de 2014

A União Europeia no centro do jogo

As eleições gerais europeias começam nesta quinta-feira e se estendem até domingo. Como escrevi no último post, o cenário mais amplo é de tensão e insegurança política. Com a crise na Ucrânia e a permanente crise econômica na zona do Euro, os partidos que questionam as legendas tradicionais – e seu modo de tradicional de fazer política – ganharam força. Muito mais força do que deveriam. 

Vale citar como o discurso é afinado quando se trata de expor preconceitos e atacar a própria União Europeia (UE). Marine Le Pen, líder do partido Frente Nacional, resumiu esta plataforma de ataque à UE comum aos radicais:

“Eles nos prometeram prosperidade, recebemos recessão. Eles nos prometeram força, recebemos dependência e humilhação. Eles nos prometeram segurança nas fronteiras, recebemos acampamentos de ciganos e imigração sem controle”, disse. Este discurso é, por ora, o vitorioso na França. A Frente Nacional lidera as pesquisas com 23% das intenções de voto. Em nove dos 28 países-membros, os radicais lideram ou estão em segundo lugar. 

É interessante perceber que, apesar disso tudo, a UE continua a ser o centro da vida política do continente. Se a extrema-direita ou a extrema-esquerda (caso do Syriza, na Grécia) querem tomar o parlamento europeu de assalto e implodir o bloco, a Ucrânia (ou pelo menos o que resta dela) sonha se tornar a vigésima-nona integrante do ambicioso projeto supranacional europeu. Não por acaso – e aí vale destacar o simbolismo na construção do pensamento e das intenções –  sua eleição presidencial acontece justamente no domingo, último dia de votação da UE.

De uma maneira ou de outra, a UE ainda é a principal força polarizadora do continente. 

terça-feira, 20 de maio de 2014

Europa atravessa seu momento mais frágil e cidadãos vão às urnas

Durante quatro dias nesta semana os cidadãos dos 28 países-membros da União Europeia (UE) vão às urnas eleger 751 parlamentares do bloco. Os europeus, normalmente, não dão muita importância às eleições europeias, até porque os assuntos da política nacional de cada um dos países ainda são mais relevantes. No entanto, um conjunto de circunstâncias e elementos acabou por mudar um pouco esta característica.

A última votação aconteceu em 2009, já com o continente em crise. Cinco anos depois, a situação não apenas piorou, como também os frutos políticos desta nova era já estão relativamente conhecidos. Os partidos de extrema-direita conquistaram terreno e se multiplicaram. Para completar, os confrontos entre Ucrânia e Rússia e entre Rússia e União Europeia adicionaram novos fatores a um cenário cada vez mais complicado. 

Curiosamente, os partidos mais interessados na eleição europeia são justamente os que se opõem a ela. Alguns deles são mais conhecidos, como o Jobbik, na Hungria, e a Frente Nacional, na França. Em comum, um discurso xenofóbico, que culpa principalmente a imigração como responsável pela calamidade atual. Este é um fenômeno comum – e até atual – em sociedades acostumadas a altos padrões de vida mas que, recentemente, precisaram regredir em função da crise econômica. Nos EUA, por exemplo, o partido Republicado – e mais precisamente o movimento conservador Tea Party – bebe nesta mesma fonte. O passado idealizado é terreno fértil para se contrapor ao presente que não oferece tantas alternativas. Esses partidos e movimentos – tanto na Europa quanto nos EUA – encontram eco em eleitores insatisfeitos com soluções políticas tradicionais. O problema é que, neste jogo de poder, a figura do imigrante, do diferente, é sempre um alvo fácil, óbvio e frágil. 

Agora, até a Grã-Bretanha tem seu próprio partido anti-imigração. Nigel Farage é o líder em ascensão do United Kingdom Independence Party (UKIP). Como escreveu o Guardian sobre a participação de Farage no Parlamento Europeu, “ele participa somente para atacá-lo, e seu partido existe para destruí-la (a UE) ou pelo menos a participação britânica”. Este é um traço comum a quase todos os partidos de extrema-direita na Europa, inclusive. E o discurso desses partidos só tem obtido sucesso porque reflete o histórico de frustração recente dos cidadãos. O índice de confiança na UE caiu de 50%, em 2004, para 31%. O gráfico que ilustra este texto mostra isso com precisão.

“Os partidos políticos dominantes estão em decadência, e os votos na centro-esquerda e na centro-direita estão fragmentados. A social democracia perdeu a conexão com os eleitores de baixa renda ao não conseguir criar empregos e também ao restringir os gastos públicos”, diz ao Independence Simon Hix, professor de política europeia na London School of Economics.

A complicação da política tradicional é resultado deste cenário. Até porque o tempo joga contra. Se a crise permanece, mais pessoas perdem qualidade de vida, mais pessoas perdem renda, mais pessoas se sentem frustradas e sem alternativa, aumentando o público-alvo dos partidos que tem a xenofobia como resposta a todos os problemas.  

sexta-feira, 16 de maio de 2014

A teoria que sustenta o nacionalismo russo contra a Ucrânia


Já comentei algumas vezes por aqui sobre uma maneira distinta de análise. A imprensa tradicional e diária muitas vezes não tem tempo para fazê-la. A vantagem deste blog é justamente ter espaço para isso. Li um comentário interessante que lança um olhar diferente sobre a crise na Ucrânia. 

“Os divulgadores de Vladimir Putin querem levar os europeus para uma realidade alternativa, uma narrativa histórica um tanto distinta do que pensa a maior parte dos ucranianos ou, na verdade, do que as provas sustentam. A Ucrânia nunca existiu, é o que dizem, ou existiu somente como parte do império russo. Os ucranianos não existem como povo; no máximo, existem como ‘pequenos russos’”. 

Esta é a tese de Timothy Snyder, professor de história da universidade Yale, sobre a propaganda política em curso. Essa propaganda tem sido bastante eficaz ao governo russo porque é assimilada com certa facilidade pela população russa. O que está em questão neste momento exato são as interpretações distintas que mereceriam as nacionalidades russa e ucraniana; para Putin e seus correligionários – e os altos índices de aprovação popular do presidente mostram que eles são muitos –, a nacionalidade e o nacionalismo russos são dados, são naturais. O erro é a ideia de nação ucraniana. Ou seja, é como se uma entidade superior ou a própria história tivessem dado território, língua, pátria, hino e bandeira exclusivamente à Rússia, não à Ucrânia. Ou ucranianos seriam uma espécie de aberração da natureza, uma doença inventada pelo Ocidente ou pelos inimigos de Moscou para causar dano à Rússia. A nacionalidade artificial ucraniana seria, agora, um instrumento ocidental para confrontar, amedrontar e inibir a nacionalidade russa. 

O engajamento do nacionalismo russo neste confronto atual existe em função disso tudo. A artificialidade ucraniana seria uma ameaça à naturalidade nacional russa. Depois de redigir esta linha de raciocínio, acho que fica claro a incoerência da justificativa teórica russa. Principalmente porque, obviamente, os conceitos de pátria, nação, bandeira, hino são todos artificiais. Seja lá qual for o país. Todos esses são elementos construídos por seres humanos em algum ponto da história. O que os diferencia, basicamente, é tão somente o tempo, o ponto de origem dessas construções.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

O voto separatista na Ucrânia

Os referendos realizados em Donetsk e Luhansk nasceram contestados. Seus resultados seguem a própria origem, uma vez que o processo é questionável. 

Enquanto os eleitores foram perguntados se queriam independência da Ucrânia (com “sim” ou “não” como respostas possíveis), os autoproclamados líderes desses movimentos já repassaram ao resto do mundo a versão alternativa do pleito: assim como na Crimeia, o povo quer os territórios anexados à Rússia (ou, como gostam de dizer em Moscou, “federalizados”). Entenderam a diferença no texto? 

A Rússia agora deu um passo atrás. Quer um debate maior, argumenta não ter a intenção de acabar com a Ucrânia. Mas não foi o próprio Kremlin que fez tudo o que pôde para questionar a origem da demanda ucraniana por mudança e os protestos na praça Maidan e transformar tudo isso num questionamento das fidelidades e nacionalismos adormecidos no país vizinho? Retroceder agora não passa de estratégia para parecer algo que não é. A Rússia de Putin não é pacifista, não entende seu lugar no mundo e não aceita que seu papel geopolítico hoje é diferente dos saudosos tempos da Guerra Fria. Ah, a Guerra Fria...

Por falar em Guerra Fria, o jornalista britânico Edward Lucas, autor do livro “A Nova Guerra Fria”, tem visão pessimista sobre o destino da Rússia e culpa a inércia entre o fim da URSS e os tempos atuais. 

“A verdade é que o fracasso russo em dissolver a KGB e a recusa do Kremlin de encarar os crimes soviéticos do passado contaminaram a Rússia de maneira fatal”, diz. 

Faz sentido sim. A frase resume a incapacidade do governo russo de se reinventar após o fim do comunismo. No próximo texto, uma opinião um pouco mais subjetiva sobre o assunto. 

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Putin vence mais uma vez

Caros leitores, para azar de vocês, eu não consigo deixar de escrever sobre a Rússia. Prometo a vocês que, em breve, isso vai terminar, até porque o cenário internacional é diversificado o bastante. O problema é que as questões envolvendo a crise na Ucrânia e a terapia de efeito retardado que russos e ocidentais estão realizado a partir disso são bem interessantes. Nesta semana, o Ocidente manifestou sua costumeira esperança de que há bondade na natureza humana e Putin não tem estratégia própria, somente reage a acontecimentos. Editorial do Guardian mostra bem esse equívoco:

“Ficou ainda mais claro que Putin não quer invadir ou anexar o leste da Ucrânia”. O jornal chega a esta conclusão baseado tão somente no fato de Putin retirar suas tropas da fronteira e no pedido do presidente russo para que os “militantes pró-Rússia” não realizem o referendo para aprovar a anexação de uma vez. Vale reproduzir o texto:

“Pedimos à representação do sudeste da Ucrânia, aos que apoiam a federalização, para adiar o referendo programado para o dia 11 de maio de forma a criar condições apropriadas a este diálogo”. Esta é a nota oficial de Moscou. O Kremlin não usa o termo “anexação”, repararam? Isso porque, na origem, esta diferença semântica entre “anexação” e “federalização” suaviza o mundo real, de alguma maneira. Este é Putin – o mesmo que, de acordo com o Guardianm “deixa claro que não quer invadir ou anexar o leste da Ucrânia”. A suavização serve, uma vez mais, à estratégia vitoriosa de morde e assopra – tão difundida entre aliados russos, como Síria e Irã, por exemplo. 

A prática tem pouco de suave. Putin pode ter tirado tropas das fronteiras, pode ter adotado tom ameno, mas agora está confortável por saber que o processo de guerra civil na Ucrânia está feito. Não depende mais dele. Afinal, o conflito está em curso. Como controlar o grau de violência e intensidade dos “militantes”? Como voltar atrás na batalha política agora que tirou da acomodação a população comum favorável à Rússia na Ucrânia? Como acalmar os ânimos?

A ideia não era essa mesmo. O propósito de tocar fogo já foi atingido. Agora, o presidente russo quer mais é que europeus e americanos se virem para resolver o problema. 

terça-feira, 6 de maio de 2014

Os objetivos da Rússia na Ucrânia

Com a expansão russa sobre a Ucrânia cada vez mais evidente, restam poucas dúvidas sobre os objetivos de Moscou. Para ser muito claro, a ideia de Putin hoje é inviabilizar a continuidade da existência do Estado ucraniano tal como o conhecemos hoje. E, para ser ainda mais claro, a Rússia tem tido sucesso nesta empreitada. 

Fazendo uma retrospectiva muito rápida, Putin conseguiu frear a aproximação da Ucrânia com a Europa, impedir a tomada de poder por um presidente pró-ocidente, forçar a barra e constatar que os limites ocidentais são muito variáveis quando se trata de Rússia, e ainda por cima aumentar sua popularidade interna. Se do ponto de vista ético as atitudes do presidente russo são questionáveis, pode-se dizer que as ações tiveram impacto muito rápido e foram bem sucedidas estrategicamente. Ainda não sabemos se o povo russo poderá ter algum ganho – acho que não. Mas Putin não para de capitalizar. 

Hoje, o futuro da Ucrânia está em suspenso. Novamente, Putin agiu mais rápido do que todo mundo ao entender que os conflitos atuais podem ser travados em frentes diferentes. Moscou negocia com o Ocidente na ONU e nos encontros internacionais, mobiliza sua força militar nas fronteiras com a Ucrânia e – o pulo do gato – invade o território ucraniano graças ao que a imprensa internacional tem chamado de “militantes pró-Rússia” (que de fato estão no campo de batalha). Alguém ainda é inocente para acreditar que se tratam de “voluntários” aliados a Moscou ideologicamente e dispostos a dar a vida por Putin? Pois é. 

Alexander Golts é um jornalista russo que, em meio a tanta repercussão de fatos e pouca construção de análise, consegue enxergar além do que acontece no cotidiano. Assim, interpreta bem as ações de Putin e seus objetivos de médio e longo-prazos.

“O plano estratégico do Kremlin ficou claro (...). A intenção é desestabilizar as regiões leste e sul da Ucrânia com uma rebelião. O caos e a guerra civil que resultariam (deste evento) permitiriam a Moscou proclamar as eleições ucranianas de 25 de maio como ilegítimas. (Com isso,) Putin irá mandar uma mensagem clara a qualquer ex-república Soviética de que ela não deveria sequer considerar o estabelecimento de laços mais estreitos com a Europa”. 

Em última instância, para Putin, o desejo de parte da população ucraniana de adesão à União Europeia é uma ousadia tão imperdoável que deve ser punida com rigor máximo.