terça-feira, 3 de junho de 2014

O Haiti não é aqui

Aconteceu o que eu imaginava. Sobre os dez anos de presença militar brasileira no Haiti, um silêncio quase absoluto. Nenhuma repercussão relevante. 

Isso aponta alguns aspectos interessantes: ou o Brasil não se interessa por política internacional – o que pode ser o caso mesmo. Ou o Brasil não se importa com a forma como atua em sua busca por relevância externa. O país está muito preocupado com a política doméstica, uma característica importante a marcar a identidade nacional (o país se enxerga como continente de muitas maneiras. Uma delas, é olhar excessivamente para dentro, sem interação relevante com vizinhos, num tipo de relação bastante distinta a dos demais países latino-americanos, em virtude principalmente da unidade linguística que os torna mais próximos uns dos outros). E, naturalmente, os brasileiros não conhecem a missão brasileira no Haiti. E, mesmo que conheçam, não dão importância a ela. 

A efeméride de dez anos dos soldados brasileiros no Haiti também não usufruiu de relevância alguma em razão do contexto. Em tempos de Copa do Mundo, a pátria está armada de chuteiras. Os soldados que inflamam a identidade nacional estão dentro de campo no Brasil e prestando serviço às empresas privadas CBF e Fifa. Os soldados armados e o papel geopolítico das forças oficiais não interessam por ora. O Estado brasileiro neste momento exato tem sua importância reduzida diante dos desafios de conquistar a Copa do Mundo no Brasil. São questões que parecem óbvias, mas sobre as quais pouca gente se dá ao trabalho de pensar. Quando esses assuntos são confrontados, podemos enxergar de maneira mais aprofundada como esses contrastes contribuem para expor a identidade do país e quais são seus maiores interesses. 

Para finalizar, outro ponto curioso e mais complicado: como escrevi no texto de sexta-feira, a atuação das forças armadas brasileiras no Haiti é alvo de críticas pela população local. Aos brasileiros, estar na posição de subjugador, mesmo que indiretamente, é muito desconfortável. Como assumir um papel que poderia nos tirar da festejada condição de país sem inimigos externos? É difícil mesmo. Mas, claro, este seria um passo além. Um passo que requer, ao menos, um pouco de reflexão sobre a atuação brasileira do Haiti. E aos brasileiros isso está fora de cogitação neste momento. 

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