quinta-feira, 28 de maio de 2015

EUA vão com tudo para cima da FIFA. Azar da FIFA

Em geral, as reações sobre a grande investigação realizada pelos EUA a dirigentes da FIFA e seus parceiros de negócios têm sido as mesmas. Até aqueles que estão na mira da Justiça americana procuram se colocar ao lado da lei. É o caso da própria FIFA e de seu presidente, Joseph Blatter – que certamente jamais esteve em posição tão delicada, mas se mantém publicamente favorável à apuração. 

O ponto fora da curva foi o presidente russo, Vladimir Putin. Adepto contumaz às teorias de conspiração, disse se tratar de uma tentativa dos EUA de tomar a copa de 2018 da Rússia. E não parou por aí. Putin deu a entender também que as investigações pretendem chegar aos dissidentes americanos, como Julian Assange, fundador do Wikileaks, e Edward Snowden, ex-funcionário da NSA. Para quem está acostumado aos delírios de Putin, não chega a surpreender. A criatividade do presidente russo é mesmo afiada. 

Há muita gente se questionando por que os EUA lideram as investigações. E isso tem a ver, em parte, com a Rússia. Do ponto de vista de motivação, a disputa por sediar a copa de 2022 – vencida pelo Catar – levou as autoridades americanas a questionar o processo. A licitude dessas escolhas nunca foi transparente. E a derrota americana, em dezembro de 2010, fez os EUA empreenderem esta grande investigação (na disputa pela copa de 2018, a Rússia venceu a Grã-Bretanha).

“A candidatura americana apresentava vantagens óbvias sobre a catari. Enquanto o pequeno país do Golfo não tinha qualquer infraestrutura de futebol – precisaria construir nove dos 12 estádios exigidos –, os EUA haviam oferecido 18 estádios funcionais. Também apresentou o dobro dos quartos de hotéis, e clima que permitiria a realização do torneio no verão (do hemisfério norte), como de costume”, escreve o jornalista Leonid Bershidsky, colunista do Bloomberg View. 

Tudo isso levou as autoridades dos EUA a se debruçar sobre a FIFA, seus parceiros e transações bancárias. Como boa parte delas foi feita por meio do sistema bancário americano, as transações estão disponíveis ao exame do Departamento de Justiça do país. Na prática, a FIFA foi vítima de seu próprio modo de operação. Por ser privada, jamais se preocupou em tornar transparente seu processo de votação ou então criar mecanismos objetivos para escolher as sedes do principal evento que realiza. Até que alguém se sentiu prejudicado pelo sistema. 

Talvez por suas redes de controle do futebol ainda não estarem tão consolidadas, justamente os EUA, a maior potência planetária, têm a independência, os meios e a vontade política para realizar esta investigação. Azar da FIFA. 

quarta-feira, 27 de maio de 2015

A disputa retórica no Iraque é tão importante quanto a guerra real

O governo iraquiano divulgou declaração afirmando estar empenhado na retomada de Ramadi, a cidade cuja importância estratégica expus no texto anterior. A vitória do Estado Islâmico sobre o exército do Iraque e as milícias que apoiam o país acabou se tornando também o início de uma crise com os EUA. O secretário de Defesa americano, Ashton Carter, disse que aos soldados iraquianos “faltou vontade de lutar” pelo controle da cidade. 

A queda de Ramadi é também um problema ao governo Obama. Susan Rice, sua Conselheira de Segurança Nacional, declarou no último dia 20 que o presidente dos EUA havia “encerrado duas guerras responsavelmente”. Como é evidente, os conflitos em Iraque e Afeganistão não terminaram. De maneira dramática, a ascensão do Estado Islâmico não apenas ressalta este fato como também é uma ameaça a todo o Oriente Médio. 

Curiosamente, esta discussão retórica entre iraquianos e americanos acontece no mês em que, há 12 anos, o então presidente George W. Bush declarava a vitória da coalizão liderada pelo EUA. O discurso – realizado em 1 de maio de 2003 a bordo do porta-aviões USS Abraham Lincoln – acabou se transformando numa espécie de símbolo do fim da segunda guerra do Iraque. Ou da ideia de seu encerramento.

Há dois equívocos nesta interpretação: o primeiro deles é que, obviamente, a guerra não acabou – muito menos naquele momento; o segundo é que Bush jamais disse isso. O então presidente americano anunciou o fim das maiores operações de combate, mas não encerrou a guerra. O problema é que, como na maior parte de tudo o que acontece, a interpretação vale mais do que a intenção. Os símbolos são sempre maiores que os discursos, e foi esta a percepção sobre aquela ocasião. Além do tom triunfante do presidente, o porta-aviões ostentava uma faixa enorme com a frase “mission accomplished” (“missão cumprida). A faixa acabou por se transformar num resumo da cerimônia (veja na foto acima). 

Agora, 12 anos depois, a disputa para encerrar as operações no Iraque ainda continua. A administração Obama naturalmente se esforça para promover a ideia de que a guerra acabou, muito embora situações como a derrota das forças iraquianas em Ramadi prejudique os planos. 
Como curiosidade, vale citar dados apresentados por Jesse Rifkin, do Huffington Post: desde o discurso de Bush em maio de 2003, cerca de 150 mil civis morreram em território iraquiano, e Washington já gastou quase 816 bilhões de dólares no conflito.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Significados estratégicos da barbárie do Estado Islâmico

É até natural o interesse sobre a tomada da cidade histórica síria de Palmira pelo Estado Islâmico. Suas ruínas exercem especial fascínio em função de sua história. A perspectiva de destruição de mais este sítio arqueológico reafirma a barbárie já conhecida do EI. Mas, sob o ponto de vista estratégico, a conquista de Ramadi, no Iraque, é muito mais relevante. Há muitos fatores para além de mais essas conquistas do EI e vale pontuá-los aos poucos.

Ramadi está a apenas 130 quilômetros de distância da capital Bagdá. A província de al-Anbar, onde está a cidade, já é em boa parte controlada pelo grupo terrorista sunita. Al-Anbar, como se pode ver no mapa, é a parte ocidental do território iraquiano e faz fronteira com Síria, Jordânia e Arábia Saudita. A importância da região é evidente. 

Há outros aspectos que devem ser analisados mais profundamente nessas conquistas recentes, mas não pretendo me estender sobre eles neste momento. O fato é que, aos poucos, a ineficiência internacional está permitindo que o Estado Islâmico deixe de ser exclusivamente um grupo terrorista que controla grandes porções de território sírio e iraquiano para se transformar num Estado de fato. 

O EI está organizado administrativamente a ponto de manter estrutura sobre o cotidiano – governa escolas, hospitais, cobrança de impostos e seu próprio sistema judiciário. Isso sem falar na força militar. Em tempo recorde, o grupo já conseguiu o que outros movimentos paralelos a Estados nacionais (inseridos dentro de Estados nacionais ou rivais a eles) demoraram a alcançar, caso do Hezbollah no Líbano e do Hamas em Gaza, por exemplo.

Há muitas diferenças entre esses três grupos, mas é importante notar uma estratégia distinta e relevante: Hamas e Hezbollah sempre buscaram legitimidade internacional a partir da luta contra Israel, um Estado nacional constituído. O EI exerce na prática o que repete em discurso sem qualquer tentativa de disfarce: não respeita qualquer fronteira internacional. É claro que Hezbollah e Hamas mantêm a posição de ambicionar a destruição de Israel (muito embora, na prática, saibam que esta é uma impossibilidade). O Estado Islâmico não reconhece os limites internacionais de forma mais ampla e pretende subverter o sistema internacional como um todo.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Grã-Bretanha se fecha ao resto do mundo

Para concluir por ora as análises sobre as eleições na Grã-Bretanha, vale dizer que, apesar da a maioria simples obtida pelo Partido Conservador (331 assentos na Casa dos Comuns – o Parlamento – de um total de 650), a vida do primeiro-ministro reeleito, David Cameron, não vai ser exatamente simples. Isso porque ele precisará lidar com questões essenciais que determinarão o destino do país nos próximos anos e negociar de maneira extenuada mudanças que mudarão de fato a forma como os britânicos se posicionarão na Europa e diante das relações internacionais neste século.

Como escrevi na semana passada, a presença global está esquecida. Os cerca de 350 anos de duração do Império Britânico ficam como registro na história. Os eleitores não se interessam por política internacional e estão mais preocupados com os assuntos do dia a dia. Isso é muito compreensível, aliás. Normalmente, os assuntos internacionais não ocupam o centro do debate, mas a característica desta eleição deixou claro um posicionamento de tal maneira oposto que soou quase como rejeição. 

O Partido Conservador teve como uma de suas plataformas a rediscussão da permanência na União Europeia e venceu sem necessitar se preocupar com alianças neste primeiro momento. A vitória do SNP (o Partido Nacional Escocês), legenda nacionalista, resultou em números que deixam pouca margem de discussão: 56 das 59 cadeiras do Parlamento destinadas à Escócia. A Grã-Bretanha se fecha à Europa. A Escócia se fecha à Grã-Bretanha. Ninguém sabe que tipo de Reino Unido irá emergir nos próximos cinco anos, lembrando inclusive que o próprio Cameron prometeu realizar um referendo interno no final de 2017 para que os cidadãos decidam sobre dar continuidade ou não ao projeto de integração europeia. 

Além disso, o primeiro-ministro quer renegociar com Bruxelas os termos de eventual permanência da Grã-Bretanha na UE. E é bem provável que este seja um processo demorado, desgastante e possivelmente infrutífero. Apesar de este ser um tema cercado de mistério e silêncio, Cameron quer debater o sistema de livre trânsito de pessoas e direito a trabalho. Isso em relação aos cidadãos dos países-membros do bloco. Tal discussão iria requerer aprovação dos 28 países da zona do euro porque exigiria alteração no tratado de fundação da UE. Isso não deve acontecer, mas esta demanda ilustra de maneira bastante clara o momento de reclusão da Grã-Bretanha. 

“Cameron tem se mostrado menos interessado em política externa do que qualquer outro primeiro-ministro britânico recente. Seu partido acaba de realizar a campanha eleitoral mais insular que qualquer um pode se lembrar, e ele (Cameron) foi recompensado com uma sonora vitória por fazer isso”, escreve Anne Applebaum, colunista do Washington Post.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Eleições na Grã-Bretanha: política internacional fica fora do debate de ideias

Enquanto os britânicos decidem, a Grã-Bretanha se distancia do cenário internacional. O processo eleitoral desta vez deixou de fora as questões externas e não permitiu a discussão das alternativas e interesses do país para além de suas fronteiras. A situação tem, em parte, relação com dois partidos que não irão obter a maior parte das cadeiras do parlamento, mas que conseguiram transformar as agendas das legendas tradicionais. 

O SNP (Partido Nacional Escocês, em inglês) existe para garantir os interesses da Escócia. Tentou seu voo mais alto em setembro do ano passado ao forçar a realização de um referendo sobre a permanência escocesa no Reino Unido. O projeto acabou derrotado por uma diferença de 383 mil votos – num universo de 3 milhões e 620 mil eleitores. Mesmo com a permanência da Escócia, o SNP mostrou sua força e, como em todo sistema parlamentarista de governo, seu peso é relevante, ainda que não decisivo neste primeiro momento. Curiosamente, o SNP está aliado ao Partido Trabalhista, de Ed Miliband. Trabalhistas e nacionalistas escoceses estão aliados pelo pragmatismo que sustenta o parlamentarismo. Entre outras afinidades, ambos pretendem que a Grã-Bretanha permaneça na União Europeia – um dos poucos assuntos internacionais a movimentar as eleições. Mas o SNP tem como foco, claro, a Escócia.

Do lado oposto, a agenda do nacionalista britânico UKIP (Partido Independente da Grã-Bretanha), que deve se aliar ao Partido Conservador de David Cameron. A pressão que o UKIP tem exercido é uma das forças responsáveis pela decisão dos Conservadores de realizar referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE. Em comum aos dois lados da disputa, a ausência de aspirações internacionais mais relevantes à Grã-Bretanha. Por razões distintas aos lados opostos neste jogo eleitoral, a UE serviu ao debate apenas como trampolim a discussões sobre imigração (direitos a imigrantes e cotas para limitar a imigração). Cameron e Miliband tiveram de ceder a possíveis aliados e incluíram no discurso os assuntos que mais interessavam aos partidos menores, esquecendo quase que completamente a força internacional do Reino Unido – que, ao longo de 350 anos, foi um império com presença global. 

“Como as elites políticas se tornam autocentradas e menos interessadas no resto do mundo, a posição internacional da Grã-Bretanha irá diminuir”, diz Richard G. Whitman, diretor do Centro Global da Europa e professor de Política e Relações Internacionais na Universidade de Kent. 

terça-feira, 5 de maio de 2015

Os desafios da Grã-Bretanha a partir das eleições

No próximo dia 8, as eleições parlamentares britânicas movimentam as atenções do noticiário internacional e também da direção da União Europeia em Bruxelas. A Grã-Bretanha é um importante membro do bloco, mas seja qual for o resultado do pleito a zona do euro será impactada. Daqui a dois anos ou num prazo de cinco anos, dependendo do partido. A proposta dos conservadores é que os britânicos renegociem a associação à UE em 2017. Se os trabalhistas saírem vitoriosos, O referendo só acontecerá em 2020 caso haja demanda por transferência de mais poderes do Reino Unido para a UE.

A União Europeia é um dos temas de divergência das eleições. Até porque há elementos mais radicais, como Nigel Farage, líder do UKIP (Partido Independente da Grã-Bretanha), legenda egressa deste movimento de releitura da extrema-direita europeia e que encontra paralelos em quase todos os países europeus. Farage exige a realização de um plebiscito imediato sobre a manutenção do país na UE – e sua posição é de que os britânicos pagam pela ineficiência dos demais. Não acredito que a Grã-Bretanha deixará a UE num futuro breve, até porque, sob o ponto de vista geopolítico, tem mais a perder do que ganhar. A disputa política e econômica na Europa hoje acontece justamente entre britânicos e alemães. A Alemanha já é o carro-chefe econômico do continente, o que a torna também a peça mais relevante da política europeia. Se a Grã-Bretanha simplesmente abandonar o bloco, passará a representar unicamente a si própria no jogo político internacional, enquanto a Alemanha se consolidará definitivamente como a liderança europeia continental. 

Mas a Grã-Bretanha tem outros desafios, como crescimento econômico e até a revisão do sistema de saúde nacional – que na teoria, muito na teoria, serviria de parâmetro ao SUS. A corrida pelo cargo de primeiro-ministro está em aberto entre os protagonistas Ed Miliband (líder do Partido Trabalhista) e David Cameron, líder do Partido Conservador e atual primeiro-ministro. A favor deste último dados que mostram a evolução do país durante sua administração (desde 2010): é a economia que mais cresce entre os membros do G7 e o país que mais criou empregos entre todos os associados da União Europeia.